Última escola a desfilar na segunda-feira de carnaval. A Vila Isabel, que não conquista um título desde 2013 (o enredo foi “A Vila Canta Brasil, celeiro do mundo – água no feijão que chegou mais um“, da carnavalesca Rosa Magalhães), a Vila Isabel levará para a avenida Marquês de Sapucaí o tema “Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece”, de Paulo Barros . A ordem é carnavalizar o medo na avenida.
A Vila vai trabalhar com o imaginário popular e mostrar as assombrações que fizeram (ou fazem) parte da vida das pessoas. Objetivo é mostrar que esses mitos estão presentes no dia a dia.

Um dos trechos do enredo da Vila Isabel afirma que a vida passa como um filme diante da iminência do fim. “E o trem nos conduz aos tempos de infância, quando tivemos nossos primeiros sustos. A cada curva, vamos encontrando assombrações inesquecíveis de quando éramos crianças: o Bicho-Papão, sempre à espreita, pronto para carregar os que desobedecessem aos pais; a Bruxa terrível, que queria nos colocar no caldeirão! Cuidado, a Cuca vai te pegar! O homem do saco, ameaçador, dessa vez nos leva sem piedade! E o Lobo Mau, pronto para nos engolir?”, escreveu o carnavalesco Paulo Barros na sinopse.
Boitatá defende os habitantes das matas
A floresta é representada por Anhangá, um espírito protetor, que, segundo os filhos de Tupã, enlouquece aqueles que tentam invadi-la. Ainda tem o Boitatá, a imensa serpente incandescente, que defende os habitantes das matas contra as terríveis queimadas. Paulo barros também não esqueceu o saci-pererê, ser mitológico, que além de assustar as pessoas, é o guardião das ervas e das plantas medicinais, por isso, confunde as pessoas que tentam pegá-las sem autorização. Ele conhece as técnicas de preparo e sabe como utilizar as plantas para fins medicinais.
A curiosidade deste ano é que o samba que a Vila irá levar para a avenida tem também a assinatura de Raoni Ventapane, que é neto de Martinho da Vila, e filho de Analimar Ventapane. Ele também é ritmista da escola.
‘Seu China’ saiu do Morro do Salgueiro para fundar a Vila Isabel
Era um domingo de carnaval de 1946. Antônio Fernandes da Silveira, conhecido como “Seu China” por ter “olhos puxados” (mesmo sem ter parentesco com orientais), conversava animadamente com amigos em um bar, situado na Praça Barão de Drummond, na esquina com a Rua Barão de São Francisco, enquanto desfilava por ali o bloco Acadêmicos da Vila, agremiação do Morro do Pau da Bandeira, de cores vermelho e branco. Vendo a evolução, “Seu China” ficou encantado com a organização dos componentes. Ele chegou a compara a agremiação a uma “miniescola de samba”.
No dia seguinte, resolveu fundar a primeira escola de samba de Vila Isabel. Ele solicitou José Ferreira Leite, que tinha 15 anos, que verificasse a documentação necessária para a fundação. Após o carnaval de 1946, “Seu China” se reuniu com os componentes do Acadêmicos da Vila e fundaram uma escola de samba, que hoje é a Unidos de Vila Isabel.
“Seu China” era pintor e morou no Morro do Salgueiro até 1945, indo depois residir no Morro dos Macacos, em Vila Isabel. No Morro do Salgueiro ele fundou o bloco Verde e Branco, que mais tarde originou a escola de samba Depois Eu Digo. Também frequentava a escola Azul e Branco do Salgueiro, que depois deu origem à Acadêmicos do Salgueiro.
Veja o samba da Vila Isabel
Enredo: “Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece”
Ouça aqui o samba: https://www.letras.mus.br/sambas/vila-isabel-2025/
Carnavalesco: Paulo Barros
Compositores: Raoni Ventapane / Ricardo Mendonça / Dedé Aguiar / Guilherme Karraz / Miguel Dibo / Gigi Da Estiva.
Embarque nesse trem da ilusão
Não tenha medo de se entregar
Pois nosso maquinista é capitão
E comanda a legião que vem lá do Boulevard
O breu e o susto em meio a floresta
Por entre os arbustos, quem se manifesta?
Cara feia pra mim é fome
Vá de retro lobisomem
Curupira sai pra lá
No clarão da Lua cheia
Margeando rio abaixo
Ouço um canto de sereia
Ê caboclo d’água
Da água que me assombra
A sombra da meia noite
Foi-se a noite de luar (oi)
Na tempestade, encantada é a gaiola
Chora viola, pra alma penada sambar
Nas redondezas credo em cruz, Ave Maria
Nas redondezas credo em cruz, Ave Maria
Quanto mais samba tocava, mais defunto aparecia
Quanto mais samba tocava, mais defunto aparecia
Silêncio
Ao som do último suspiro vai chegar
A batucada suingada de vampiros
Quando o apito anunciar
Eu aprendi que desde os tempos de criança
A minha Vila sempre foi bicho papão
Por isso, me encantei com esse feitiço
Que hoje causa reboliço arrastando a multidão
Solta o bicho, dá um baile de alegria
É o povo do samba virado na bruxaria
O caldeirão vai ferver, eu quero ver segurar
Não tem jeito, a Vila vai te pegar
Entenda o samba da Vila Isabel e seus mitos
Boulevard: “Boulevard” é um termo francês, que significa rua ou avenida arborizada que se destaca por ser muito ampla. A origem dos “boulevards” encontra-se nas cidades da Idade Média. Na verdade, “boulevard” vem de “bolwerk”, uma noção holandesa que pode ser traduzida como “defesa” ou “baluarte”. No samba, Boulevard se refere à Avenida 28 de setembro, em Vila Isabel, que é conhecida como Boulevard.
Vá de retro: expressão que indica repulsa, repugnância
Lobisomem: Surgida na Grécia, a lenda relata que o lobisomem é metade homem, metade lobo. Ele se transforma nas noites de Lua cheia e parte à procura de vítimas para matar. No Brasil, a lenda foi trazida pelos portugueses.
Curupira: Segundo a lenda, curupira é um anão ágil e forte de cabelos ruivos que possui os pés virados para trás. Assim, ao caminhar na mata, o curupira consegue enganar alguém que pretenda segui-lo olhando para suas pegadas. O perseguidor pensará sempre que ele foi na direção contrária.
Caboclo d’água: é também conhecido como nego d’água. É um ser sobrenatural de aparência monstruosa conhecido por atormentar pescadores e barqueiros que cruzarem o seu caminho. Pessoas ribeirinhas o descrevem como sendo uma criatura musculosa, troncuda, com pele cor de bronze, baixa estatura e com somente um olho localizado no meio da testa.
Alma penada: é uma entidade sobrenatural da mitologia portuguesa. As crenças populares reconhecem como sendo o espírito de pessoas falecidas que, tendo deixado compromissos por cumprir na vida terrena, regressam a ela, sob enigmáticas transfigurações. Há teólogos que acreditam no mito, outros não.
Vampiro: ser mitológico ou folclórico que sobrevive se alimentando da assistência vital de criaturas vivas, geralmente em forma de sangue.
Bicho papão: ser imaginário das mitologias infantis portuguesa e brasileira. É a personificação do medo. Está sempre à espreita e é atraído por crianças desobedientes.