*Luiz Carlos Azedo
Projeto de Diretrizes Orçamentárias para 2026 sinaliza frouxidão com as contas públicas e alimenta análises pessimistas em relação à inflação e ao equilíbrio fiscal após as eleições
Esopo nasceu provavelmente na Frígia (atual Turquia) entre o final do século VII a.C. e o início do século VI a.C. Pouco se sabe sobre sua vida, exceto que era um escravo que recorria às fábulas para traduzir sua sabedoria, muitas vezes com ironia, sem se expor em demasia aos senhores.
Sua obra chegou aos nossos dias porque foi exaltada pelos grandes filósofos gregos, entre os quais Heródoto, Platão e Aristóteles. Geralmente, Esopo recorria às características dos animais para traçar um paralelo com os bons e maus comportamentos humanos.
Os romanos Fedro (século I d.C.) e Bábrio (século II d.C.) traduziram Esopo para o latim, a partir do qual as narrativas foram retraduzidas e chegaram aos nossos dias. Ainda hoje suas fábulas são usadas na educação das crianças. A primeira edição impressa das Fábulas é de 1484, ou seja, quase 30 anos após a impressão da Bíblia de Gutemberg, de 1455.
Esta edição contava com 97 fábulas. Entretanto, os pesquisadores atribuem a Esopo a autoria de cerca de 584 fábulas. George Orwell utilizou a linguagem esópica no seu livro mais famoso, A Revolução dos Bichos (Animal Farm), de 1945, que ainda hoje serve de roteiro para peças teatrais infantis.
A história se passa numa granja de animais, que discutem e almejam a construção de uma sociedade ideal. Para isso, eles criam um conjunto de regras e começam a pensar numa revolta contra os humanos, sobretudo, seu dono, Sr. Jones, que os explora e os deixa passarem fome. O Major Porco apresenta a ideia de fazer uma revolução e os animais expulsam Jones da granja.
Os porcos são os animais mais inteligentes da granja, foram mais instruídos e sabem ler e escrever. Enquanto o porco Bola-de-neve, um dos líderes da revolução, quer realizar a construção de um moinho, o porco Napoleão é contra a ideia. Rebelde, Bola-de-neve é considerado traidor e acaba expulso da granja. Napoleão acaba por convencer todos os outros animais a se rebelarem contra Major, o líder. Sempre escoltado por cães raivosos, Napoleão sobe ao poder. Seu egoísmo e totalitarismo ditarão a maneira como conduzirá a granja depois de destituir e expulsar seus desafetos.
A Revolução dos Bichos virou um best-seller internacional, porque Orwell fez uma dura crítica ao totalitarismo ao final da Segunda Guerra Mundial. Não era apenas uma crítica ao nazifascismo, que havia sido derrotado pelas forças aliadas, mas, também, uma analogia com a antiga União Soviética. Por isso mesmo, o livro fez mais sucesso entre os liberais.
Hoje, porém, A Revolução dos Bichos tem tudo a ver com o novo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que promove um ataque frontal à ordem liberal norte-americana e à economia global. Nem a prestigiada Universidade de Havard está a salvo do seu autoritarismo.
O formigueiro
Trump nos remete à conhecida fábula de Esopo intitulada A cigarra e as formigas. A história é a seguinte: no inverno, as formigas estavam fazendo secar o grão molhado, quando uma cigarra, faminta, lhes pediu algo para comer. As formigas lhe disseram: “Por que, no verão, não reservaste também o teu alimento?”. A cigarra respondeu: “Não tinha tempo, pois cantava melodiosamente”. Então, as formigas, rindo, disseram: “Pois bem, se cantavas no verão, dança agora no inverno”. A moral da história é que, nos tempos de fartura, devemos nos preparar para o futuro.
Há um amplo consenso entre os economistas de que o futuro se tornou mais incerto e perigoso com Trump no poder. À frente da maior potência econômica e militar do planeta, o presidente norte-americano está redefinindo as relações internacionais ao atropelar toda a institucionalidade construída no pós-guerra, à qual se deve o êxito da globalização. É uma distopia em relação à América e uma disruptiva abordagem geopolítica, mundialmente falando.
A forma como Trump confronta o mundo com sua política protecionista, especialmente a China, cria um ambiente de insegurança e incertezas. Entretanto, como os EUA não podem tudo no mundo, nem Trump internamente, é possível que essa conjuntura terrível seja ultrapassada. Até lá, o melhor a fazer é agir como as formigas.
O governo Lula, porém, está agindo como a cigarra de Esopo, diante de um cenário confuso. O Brasil foi contemplado com as menores taxas do tarifaço de Trump e viu as portas da ampliação do comércio bilateral se abrirem no Japão, na União Europeia e, sobretudo, na China, entre outros países, o que é uma oportunidade em meio à crise mundial.
O problema é que o Projeto de Diretrizes Orçamentárias para 2026 sinaliza frouxidão com as contas públicas e alimenta análises pessimistas em relação à inflação e ao equilíbrio fiscal após as eleições. Alguns projetam um cenário de colapso para 2027, porque o governo não sabe explicar como pretende obter R$ 118 bilhões em receitas extras para fechar as contas públicas no próximo ano.
Com uma meta de superavit de 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) — ou seja, com saldo positivo de R$ 34,3 bilhões —, o Orçamento para as chamadas despesas discricionárias parece feito pelas formigas. Projeta R$ 208,3 bilhões, em 2026; R$ 122,2 bilhões, em 2027; R$ 59,5 bilhões, em 2028; e R$ 8,9 bilhões, em 2029, dessas despesas, sendo que deputados e senadores é que decidirão o destino de aproximadamente 25% das despesas livres do Orçamento.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense.
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