As mais recentes pesquisas eleitorais realizadas nas cidades brasileiras têm apontado a segurança pública como o tema de maior preocupação dos cidadãos. A falta de garantias do Estado para uma convivência sem ameaças de violência impede o exercício pleno de direitos fundamentais, como o de ir e vir, o de não ter a vida exposta a riscos evitáveis e o de viver em paz, entre outros preceitos civilizatórios.
Homicídios dolosos, feminicídios, latrocínios, lesões corporais seguidas de morte são atentados cometidos contra a vida que podem ser reduzidos e até mesmo evitados. Existem políticas públicas baseadas no uso da inteligência, na promoção de ações integradas entre setores distintos do governo e no uso eficiente e adequado da força, capazes de reduzir significativamente as quase 40 mil mortes violentas por ano praticadas no Brasil, classificando-o como um dos países com maior índice de assassinatos do mundo, algo em torno de 20 mortes para cada 100 mil habitantes.
Tráfico de drogas, milícias, intolerância política, religiosa, preconceito racial, de gênero e de orientação sexual alimentam tais estatísticas, que são agravadas ainda pela violência policial. Existem exemplos exitosos, embora tímidos, que nos trazem esperança de que mortes por motivos banais e torpes podem ser contidas. A vida nas cidades brasileiras clama por um banho de paz. O sangue derramado por tantas mortes impõe medo e transforma todos em cidadãos de segunda classe, sem exceções.
Para além das mortes provocadas pelos diversos tipos de atentados contra a vida mencionados acima, existem aquelas promovidas pelos acidentes de trânsito nas cidades e rodovias do Brasil. Estes acidentes somam cerca de 34 mil por ano, um índice de mortes por habitante superado nas Américas apenas por Belize e Venezuela. Uma parte considerável dessas vidas poderia ser salva, pois muitas delas foram causadas por fatores comportamentais dos condutores, como excesso de velocidade, imperícia, imprudência e ingestão de álcool.
Segundo o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), essa taxa de mortalidade no trânsito tem aumentado, e as provocadas pelo uso de motocicleta dobraram na última década. Estamos na contramão daquilo que o mundo civilizado vem praticando, investindo cada vez mais em medidas para redução de acidentes, como limitação de velocidade, principalmente em áreas urbanas, e educação viária e conscientização da população. Afinal, fatores comportamentais são responsáveis por boa parte dos acidentes e das mortes.
Há ainda um conjunto de ocorrências que põem em risco a vida nas cidades. Felizmente, elas não provocam tantas mortes como a violência urbana e o trânsito, mas causam muitos transtornos e prejuízos, tirando a paz e o sossego das pessoas submetidas regularmente a seus impactos. Refiro-me aos desastres hidrológicos e geohidrológicos que, em 2023, segundo dados do Cemadem (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), bateram recorde com mais de mil eventos registrados. Esses desastres provocaram 132 mortes, mais de 9.000 feridos, 74 mil desabrigados e cerca de 500 mil desalojados.
Também se pode classificar os 25 bilhões de reais de prejuízos causados por tais desastres no ano passado como evitáveis, principalmente as mortes e internações dos feridos. Sistemas de alerta precoce, gerenciamento eficaz de desastres e atenção especial às comunidades mais vulneráveis devem ser adotados nas cidades, principalmente nas 1.942 com riscos ambientais já identificados. As cidades devem lidar melhor com as mortes desnecessárias, e não cabe mais aos candidatos a prefeito afirmar que a violência contra a vida não é com eles.
*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela
Universidade de Lisboa, autor de Prosa Urbana e Tempo de Cidade.