A marcha de recuperação do serviço de transporte rodoviário no Rio desde a pandemia ainda é lenta. A constatação pode ser feita a partir dos números do setor contabilizados e tornados públicos pela prefeitura. Das 715 linhas que circulavam pela cidade em 2019, restaram 453 operacionais neste ano, uma diminuição de 36,64%. Na prática, isso significa que aproximadamente uma em cada três linhas desapareceu. Já foi pior, é verdade. Segundo informa a Secretaria municipal de Transportes (SMTR), desde a assinatura do acordo judicial, em junho de 2022 — por meio do qual os consórcios que operam os ônibus na cidade passaram a receber subsídio pago pelo município por quilômetro rodado —, houve um aumento de 71% nas rotas em operação. O valor repassado desde então para as empresas chega a R$1,624 bilhão, dos quais R$ 241 milhões de junho a dezembro de 2022; R$ 691 milhões, em 2023; e R$692 milhões de janeiro até a primeira quinzena de julho deste ano.
Passageiros reclamam
Se a quantidade segue sendo um problema a resolver, a qualidade também preocupa. Nas ruas, entre o reconhecimento de alguns serviços bem prestados, não é difícil encontrar queixas em relação a atrasos, lotação, sujeira, falta de manutenção e de ar-condicionado nos veículos.
Às 6h33 da última sexta-feira, Paula Ventura Quintanilha, de 37 anos, aguardava que fosse terminado um reparo de emergência em um dos veículos que faz a linha 847 (Campo Grande – Rio da Prata) para seguir viagem.
— Eu pego, ou pelo menos tento pegar, o ônibus todo dia para ir trabalhar. Está sempre cheio. A situação aqui dentro está bem precária. Cadeira quebrada, ar-condicionado que não funciona. Isso fora a demora para passar. Demora muito. Essa linha é um problema. Eu não me sinto segura em andar nela, você fica escutando uns barulhos, parece que o ônibus vai quebrar — resumiu Paula de dentro do coletivo.
Aguardando para embarcar, outra passageira confirmou as queixas:
— É terrível. Você nunca sabe quando vai passar. Hoje demorou muito e ainda quebrou antes de sair. Estamos aqui há quase uma hora esperando os reparos, mas quase toda semana é isso. Todo quebrado, todo sujo por dentro. Horrível — disse a mulher que se identificou apenas como Meire.
O envelhecimento da frota pode explicar em parte as queixas. Os dados disponíveis no DataRio mostram que a cidade já contou com uma frota circulante que, em média, tinha veículos com 2,41 anos de uso. Mas isso foi em 1990. Em 2019, ano anterior à pandemia, já eram 5,67 anos em média. Nos anos seguintes piorou: 6,22 (2020), 7,05 (2021) e 7,26 (2022). No ano passado, uma pequena recuperação: 6,74 anos. A SMTR informa que a “idade máxima de um veículo para ingressar no SPPO ( Sistema de Transporte Público por Ônibus) é de seis anos” e que “todo veículo que ingressa no sistema deve passar por vistoria da SMTR e ter ar-condicionado”.
A climatização dos veículos é uma preocupação constante dos passageiros. E não é para menos. A aproximação das estações mais quentes do ano e as constantes ondas de calor, inclusive durante o inverno, tornam as viagens, com ônibus lotados ou não, desconfortáveis e estressantes. Os dados disponíveis no DataRio mostram que, em junho de 2024, o percentual de viagens feitas em ônibus sem ar-condicionado ficou na casa dos 22%, aproximadamente uma a cada quatro. Nesse quesito, o desempenho é melhor que o de antes da pandemia. Em dezembro de 2019, o percentual de viagens sem climatização era de 28%. Nos anos seguintes, o pior momento foi em maio de 2020, quando 30% das viagens foram feitas sem o equipamento.
— Não sei para que o aviso de ar-condicionado, se o ônibus está sempre com o ar desligado. Um calor de 30 graus, e a gente em pé suando, porque ele também está sempre cheio — reclamou uma usuária da linha 298 (Acari -Castelo).
Punição para ‘quentões’
O RioÔnibus, sindicato que reúne as 29 empresas do setor, informa que atualmente 90% da frota está equipada com ar-condicionado, mas que, dependendo da linha, da empresa e da região, pode haver variações pontuais que resultam num percentual maior de viagens em que o climatizador não está em funcionamento. O sindicato ressalta ainda que a existência de ar-condicionado nos ônibus não consta do acordo original assinado entre os consórcios e a prefeitura.
A SMTR, por sua vez, informa que atualmente 86% das viagens já são realizadas em ônibus climatizados, o que representaria um crescimento de 8% em relação aos dados de junho disponibilizados no DataRio. Desde meados do ano passado, prefeitura e empresas travam uma queda de braço na Justiça por conta da temperatura nos coletivos. Isso porque o município decidiu punir as transportadoras reduzindo o valor do subsídio pago por viagens nas quais os ônibus não têm ar-condicionado ligado. “Um ônibus com ar recebe R$ 4 pelo quilômetro, um ônibus sem ar recebe mais ou menos R$ 2,91. É uma diferença bem grande, de 30% basicamente a menos. A gente vê que as empresas estão respondendo e estão renovando frota, e esses veículos sem ar estão diminuindo”, detalhou Maína Celidonio, secretária municipal de Transportes, em audiência pública realizada no dia 18 junho, na Câmara Municipal do Rio.
Outro sintoma visível de que o setor ainda não se recuperou do baque na pandemia é a quantidade de passageiros transportados. Em 2019, o total passou um pouco de 1 bilhão, somando-se pagantes, usuários do Bilhete Único Carioca (BUC) e gratuidades. No ano passado, esse número caiu para cerca de 730 milhões. Em 2020, no pior momento, mal passou de 550 milhões. Este ano, sempre segundo os dados do DataRio, o total até junho é de quase 385 milhões. Da mesma forma, o número de viagens realizadas despencou de 12,5 milhões, em 2019, para 7,2 milhões em 2023.
— Passamos por uma crise muito severa e ainda estamos nos recuperando. Deixaram que se deteriorasse muito. A gente entende que ainda não é a situação ideal que a população deseja — disse Paulo Valente, porta-voz do RioÔnibus.
Em relatório enviado para a SMTR, as empresas de ônibus do Rio — reunidas nos consórcios Intersul, Internorte, Transcarioca e Santa Cruz — informaram que a receita total apurada este ano no setor, até junho, foi de R$ 916 milhões. A esse valor ainda são somados os R$ 692 milhões em subsídios municipais pagos até aqui, num total de R$1,608 bilhão. De acordo com as empresas, o montante ainda é metade do valor normalmente apurado pelo setor no período pré-pandemia.
Com informações do GLOBO.