Querência desgostosa

Para os gaúchos, querência quer dizer o lugar onde se nasceu, se criou ou se acostumou a viver. Pode, segundo os dicionários, significar também disposição, vontade de fazer algo ou até mesmo, quando acompanhada da palavra bem, representar afeição, afeto ou estima por algo ou alguém. Vou ficar com a primeira definição para apresentar um fato inusitado e, de certo modo, surpreendente.

Trata-se do resultado de uma pesquisa de opinião pública, de método qualitativo, realizada recentemente pelo IBPS (Instituto Brasileiro de Pesquisa Social) com moradores de São João de Meriti, com o objetivo de avaliar a visão deles em relação à cidade, suas principais demandas sociais e urbanísticas e a percepção deles sobre o desempenho dos governos municipal, estadual e federal.

Para tanto, a pesquisa reuniu 96 cidadãos e cidadãs de Meriti, divididos em oito grupos mistos de discussão, representando as regiões do município, sendo dois deles dedicados exclusivamente a mulheres e evangélicos. O relatório final apresenta a saúde e a segurança pública, disparados como os temas mais reclamados nos grupos, merecendo algum destaque ainda as enchentes e o transporte público. Até aí nada de novo, pois, sem dúvida, são, de modo geral, as questões que mais afligem a população, não só de São João mas de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro.

Mas o que chamou atenção foi a constatação de que o meritiense guarda certa estima pela cultura da Baixada Fluminense, porém tem muita dificuldade de se orgulhar de sua cidade. Para ele, a melhor coisa de São João é o Shopping Grande Rio. Nenhum espaço ou edifício público figurou entre os aspectos positivos do lugar. O cumprimento entre as pessoas nas ruas com sorrisos amigáveis e as festas juninas foram aspectos citados como capazes de fazer a vida ficar um pouco melhor por lá, demonstrando que eles guardam ainda alguma urbanidade, apesar do ambiente urbano construído ser tão pouco agradável quanto acolhedor.

Para o meritiense a melhor coisa de São João é o Shopping Grande Rio

Lembraram ainda de uma famosa casa de show da cidade, de uma ou outra praça de bairro, de uma ciclovia e da Vila Olímpica como locais onde a vida se faz mais amena e prazerosa. No entanto, a opção preferencial pelo shopping deixa no ar a pergunta: o que se pode esperar das políticas públicas de modo a fazer aparecer em São João de Meriti outros ícones capazes de elevar a autoestima das pessoas pelo lugar que escolheram para viver?

Hipóteses não faltam, mas não é tarefa simples apontar iniciativas que possam oferecer aos meritienses outras possibilidades de sentir orgulho de sua cidade. Penso que talvez um parque público, a exemplo do Parque Madureira, seria uma iniciativa com possibilidade de êxito. Reconheço, entretanto, que só ela não bastaria. O que fica claro é a urgência de São João de Meriti receber equipamentos e serviços públicos capazes de fazer sua gente chamar de seus com orgulho e sentimento de que aquilo de fato lhes pertence e distingue.

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade.

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Baixada Fluminense, Vicente Loureiro

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