*Luiz Carlos Azedo

O contraponto é Michelle Bolsonaro, uma liderança evangélica, que pode vir a ser a candidata de Bolsonaro à Presidência, pois ele está inelegível
Mexeu com Janja, mexeu comigo. É mais ou menos esse o recado que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva deu ao sair em defesa da primeira-dama Janja Lula da Silva, no caso da conversa sobre a atuação do TikTok no Brasil durante o jantar de gala com o presidente da China, Xi Jinping, em Pequim. “Fui eu que fiz a pergunta. Eu perguntei ao companheiro Xi Jinping se era possível ele enviar para o Brasil uma pessoa da confiança dele para a gente discutir a questão digital, e sobretudo o TikTok. E aí a Janja pediu a palavra para explicar o que está acontecendo no Brasil, sobretudo contra as mulheres e contra as crianças”, disse Lula.
A declaração irritada de Lula foi uma resposta a notícias de que Janja havia cometido uma grande gafe e criado constrangimento junto a Jinping, ao questionar a atuação do TikTok, um comportamento fora dos padrões do Itamaraty no cerimonial da diplomacia presidencial. A informação foi divulgada pela jornalista Andreia Sadi, da Globo News, e teve ampla repercussão. A resposta do presidente chinês foi de que o Brasil tem todo o direito de regulamentar o TikTok e até banir a rede social do país, se achar necessário.
Sem citar nomes, Lula reclamou de quem “teve a pachorra” de vazar a informação sobre a reunião que era reservada e contou apenas com a presença de alguns ministros. “Eu vi na matéria que um ministro estava incomodado. Se um ministro estivesse incomodado, ele deveria ter me procurado e pedido para sair. Eu o autorizaria a sair de lá”, disse. Quem virou mordomo na história foi o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa, apontado nos bastidores como o autor da inconfidência ou “plantação”, dependendo do grau de inimizade com o ministro mais poderoso do Palácio do Planalto.
A repercussão do episódio teve duas dimensões: a primeira, foi a ampliação das críticas ao comportamento de Janja, que mistura a condição de primeira-dama com a de militante petista e, por isso, sofre cerradas críticas da oposição; a segunda, tem mais relação com o próprio Lula, por pedir que um especialista chinês venha ao Brasil para ajudar o governo a regulamentar as redes sociais, o que é um absurdo do ponto de vista da ordem democrática, ainda mais porque essa é uma atribuição do Congresso.
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Mas há uma terceira leitura política: Lula não somente endossou as palavras de Janja como chancelou sua intenção de “enquadrar” o TikTok; ao afirmar que ela não é uma “mulher de segunda classe”, deu todo apoio ao ativismo político de Janja, que é muito influente no governo. Ou seja, no governo, quem não estiver gostando do papel que Janja desempenha, que não é o de uma primeira-dama tradicional, terá de se acostumar com isso.
Paradigma eleitoral
É aí que surgem os paralelos com outras primeiras-damas que foram muito influentes. No Brasil, por exemplo, Sara Kubitschek, esposa de Juscelino, criou a Legião Brasileira de Assistência (LBA) e sempre foi muito influente na construção da imagem do governo do marido, mesmo depois de sua morte. Antropóloga, Ruth Cardoso, esposa de Fernando Henrique Cardoso, discretíssima, era poderosa nos bastidores e criou a Comunidade Solidária. Mesmo Marisa Letícia, primeira-dama nos dois primeiros mandatos, com perfil de dona de casa, exercia um papel importante junto a colaboradores muito próximos de Lula no Palácio do Planalto. Janja não tem o perfil de nenhuma delas.
Rosângela de batismo, ao adotar o nome de Janja Lula da Silva na comunicação oficial do governo, demonstra a intenção de construir um projeto eleitoral, o que não seria possível sem a concordância de Lula. Esse script tem outros paradigmas. Não são os de Eleanor Roosevelt, defensora dos direitos humanos, esposa de Franklin D. Roosevelt — o presidente cadeirante que tirou os Estados Unidos da Grande Depressão e liderou o país durante a Segunda Guerra Mundial —, talvez a mais poderosa primeira-dama da história norte-americana. Nem de Jacqueline Kennedy, esposa de John F. Kennedy, com sua elegância e estilo, que fez o soft power dos Estados Unidos na diplomacia mundial e elevou às alturas o glamour da Casa Branca.
Não, o ativismo de Janja está mais para Hillary Clinton, esposa de Bill Clinton, que disputou a Presidência dos Estados Unidos em 2008 e 2016; Isabel Perón, segunda esposa e viúva do presidente argentino Juan Domingo Perón; e Cristina Fernández de Kirchner, companheira de Néstor Kirchner, que governaram a Argentina. Quem conhece mais de perto o casal, avalia que Lula está estimulando ao máximo o protagonismo de Janja na política internacional, mesmo sabendo dos riscos políticos e dos eventuais desgastes de imagem que isso pode causar. É um projeto político, no qual supõe-se que Janja aprende e amadurece, à base do ensaio e erro.
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O grande problema é a repercussão negativa desse ativismo junto aos quadros do PT, aos aliados políticos e, sobretudo, ao eleitorado feminino, que votou majoritariamente em Lula na disputa com Bolsonaro. O contraponto de Janja é Michelle Bolsonaro, uma liderança evangélica, que pode vir a ser a candidata de Bolsonaro à Presidência, pois ele está inelegível. São duas mulheres que estão tendo um papel inédito na política brasileira ao lado dos maridos, vão acabar se digladiando na cena política e terão um papel decisivo nas eleições de 2026.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense.
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