Para driblar nova lei da Califórnia, Google vai destinar US$ 250 milhões a veículos de imprensa no estado

Iniciativa com recursos da companhia, de contribuintes e de fontes privadas contorna projeto de lei em discussão no estado para obrigar 'big techs' a remunerarem produtores de conteúdo

O Google, um grupo do setor de notícias e legisladores-chaves da Califórnia anunciaram um acordo inédito na quarta-feira com o objetivo de apoiar redações do estado americano com até US$ 250 milhões.

Por meio de uma combinação de financiamentos vindos do Google, de contribuintes e de outras fontes privadas, o acordo de cinco anos permitiria à gigante de buscas contornar um projeto de lei proposto na Califórnia com o objetivo de exigir que empresas de tecnologia remunerem veículos de imprensa sempre que exibirem anúncios ao lado de reportagens em suas plataformas.

O anúncio foi comemorado como uma via para estabilizar a indústria de notícias, que tem enfrentado demissões e fechamento de redações na medida em que os leitores migram para o on-line. De outro lado, recebeu fortes críticas de entidades representativas de jornalistas.

“O acordo não apenas fornece financiamento para apoiar centenas de novos jornalistas, mas também ajuda a reconstruir um corpo de imprensa robusto e dinâmico na Califórnia por muitos anos, reforçando o papel vital do jornalismo em nossa democracia”, disse o governador do estado, Gavin Newsom, em um comunicado.

‘Primeiro passo’

A Associação de Editores de Notícias da Califórnia chamou o acordo de “um primeiro passo em direção ao que esperamos que se torne um programa abrangente para sustentar as notícias locais a longo prazo”. A autora do projeto de lei, a deputada Buffy Wicks, elogiou o acordo por ser um “compromisso de vários setores” e também o classificou como “apenas o começo”.

Um sindicato que representa jornalistas, porém, denunciou o acordo como uma “extorsão”, enquanto os legisladores que trabalhavam há meses em propostas mais abrangentes criticaram seu alcance. Além disso, o presidente interino do Senado do estado, Mike McGuire, questionou o apoio legislativo à fatia do estado no acordo, que exigiria aprovação no escopo do processo de definição do Orçamento anual da Califórnia.

– Temos preocupações de que esta proposta careça de financiamento suficiente para jornais e mídias locais e não aborde completamente as desigualdades enfrentadas pela indústria – disse o senador democrata McGuire.

Ele acrescentou que “o Senado (da Califórnia) estava buscando uma solução global que responsabilizaria todas essas empresas”.

Google resistiu à projeto de lei

O acordo estabelece um Fundo de Transformação do Setor de Notícias administrado pela Escola de Jornalismo da Universidade da Califórnia, Berkeley, para preservar e expandir o jornalismo produzido na Califórnia. Do financiamento para o Fundo, 12% serãoreservados para publicações com foco local e para aquelas voltadas para grupos sub-representados.

Pelos termos do acordo, contribuintes da Califórnia fornecerão ao novo fundo US$ 30 milhões no primeiro ano do programa e US$ 10 milhões em cada um dos quatro anos seguintes, a serem alocados pelo Legislativo em projetos de lei orçamentária. O Google contribuirá com US$ 15 milhões para o fundo no primeiro ano e pelo menos US$ 10 milhões em cada um dos anos seguintes, de acordo com um resumo fornecido pelo gabinete da deputada Wicks.

Ao longo dos cinco anos, o Google entrará ainda com US$ 62,5 milhões para a criação de um Acelerador Nacional de Inovação em IA, que apoiaria “organizações de diversos setores e comunidades” com financiamento e outros apoios para experimentar com inteligência artificial “para ajudá-los em seu trabalho”, segundo o anúncio. E a empresa manterá US$ 10 milhões por ano em programas existentes que possui para apoiar o jornalismo.

Por dois anos, o Google resistiu ao projeto de lei que está sendo proposto na Califórnia, alegando que criaria “exposição financeira ilimitada” e “um nível de incerteza comercial que nenhuma empresa poderia aceitar”.

Esse projeto de lei em discussão na Califórnia foi inspirado nas legislações aprovadas por Canadá e Austrália, que determinam que as big techs cheguem em um acordo para remunerar produtores de conteúdo.

Kent Walker, diretor jurídico da holding do Google, Alphabet, chamou o acordo firmado agora, que está fora do escopo do projeto de lei, de “um arcabouço colaborativo para acelerar a inovação em IA e apoiar empresas locais e nacionais e organizações sem fins lucrativos”.

‘Pechincha’ para o Google, diz senador

O Media Guild of the West, um sindicato local filiado ao o NewsGuild, denunciou o acordo como “vago” e “opaco”. “Nem uma única organização representando jornalistas e trabalhadores de notícias concordou com este acordo antidemocrático e secreto com uma das empresas que está destruindo nossa indústria”, disse.

E o senador Steve Glazer, democrata que propôs conceder um crédito tributário para veículos de notícias empregarem jornalistas locais, pago com base em uma taxa cobrada de grandes plataformas de tecnologia, disse que o acordo foi uma pechincha para o Google, ignorando ainda incursões semelhantes no financiamento de notícias locais por outros gigantes da tecnologia, como Amazon e Meta; e “prejudica seriamente nosso trabalho em direção a uma solução de longo prazo para resgatar o jornalismo independente”.

“Apesar das boas intenções das partes envolvidas, esta proposta não fornece recursos suficientes para tirar a veículos de notícias independentes na Califórnia de sua espiral de morte”, disse ele.


Leis na Austrália no Canadá

O Google usou seu argumento padrão nesses casos, dizendo que é “um dos maiores apoiadores financeiros do jornalismo no mundo”. Os editores recebem tráfego de seu motor de busca, afirmou, e podem monetizar seus negócios com a tecnologia da companhia, que permite aos veículos encontrar anunciantes.

Mas, no geral, a empresa resistiu a regulamentações governamentais que tentaram forçá-la a compensar os editores pela exibição de conteúdo em sua plataforma. O Google lutou contra projetos de lei na Austrália e no Canadá que obrigariam tais pagamentos, argumentando que pagar por cliques iria contra o espírito da internet aberta. Em 2021, a empresa ameaçou deixar a Austrália se o país prosseguisse com sua nova legislação, o Código de negociação de notícias com plataformas de tecnologia com objetivo de remunerar os produtores de conteúdo.

A empresa acabou alcançando um acordo. Ela lançou o News Showcase na Austrália, um programa no qual seleciona editores para formar parcerias e pagar por exibição de conteúdo de acordo com seus próprios termos. O Google disse que agora tinha mais de 180 publicações a bordo dessa iniciativa no país.

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