Não chamem Lula, Maduro e Ortega para jantar

O Brasil equilibra-se entre dois polos, os Estados Unidos e a China, o que tensiona a política externa toda vez que se aproxima demais dos parceiros do Brics

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva aproveitou a reunião do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, em Kazan, na Rússia, que terminou nesta quinta-feira, para estabelecer distância segura dos presidentes da Venezuela, Nicolás Maduro, e da Nicarágua, Daniel Ortega, cuja entrada no grupo foi vetada pelo Brasil nos bastidores do encontro. Ampliado com mais quatro países (Egito, Irã, Etiópia, Emirados Árabes; a Arábia Saudita ainda não oficializou seu ingresso), o bloco decidiu criar também uma categoria de países parceiros, condição que era pleiteada pelos dois países latino-americanos.

Maduro também foi a Kazan e se reuniu com o presidente russo, Vladimir Putin, mas nem por isso o anfitrião do encontro propôs a inclusão imediata da Venezuela, com quem a Rússia tem cooperação comercial e colaboração militar. O presidente venezuelano, ao justificar sua pretensão, invocou a condição de grande produtor de petróleo, com as maiores reservas do mundo. Nos bastidores do governo, havia dissintonia entre o assessor especial da Presidência Celso Amorim e o Itamaraty, em relação ao tratamento diplomático a ser dado à Venezuela, depois da reeleição fraudulenta de Maduro — até o líder venezuelano queimar de vez seus navios com Lula, que chamou de agente da CIA, a central de inteligência dos Estados Unidos.

Outro ex-aliado que virou desafeto de Lula, Ortega não chegou sequer a viajar para o encontro, mas reivindica a posição de parceiro do Brics e tem a oferecer ao grupo a possibilidade de utilização do Lago da Nicarágua para construção de um novo canal interoceânico, ligando o Atlântico ao Pacífico, cujo custo é estimado em US$ 40 bilhões. Ortega cassou a concessão da HK Nicaragua Canal Development Investment Co. Limited (HKND Group), com sede em Hong Kong, do magnata chinês Wang Jing, e renegocia os direitos de exploração do novo canal, de olho nos interesses da China em expandir a Nova Rota da Seda para as Américas. Ortega expulsou o embaixador brasileiro na Nicarágua por interceder, a pedido do papa Francisco, em favor da libertação de padres presos pelo regime ditatorial que o sandinista implantou.

O Brics vive um processo de expansão, por influência da China e da Rússia, mas países como a Índia, a África do Sul e o Brasil fazem restrições à ampliação do número de integrantes plenos. O grupo foi criado em 2009, a partir do acrônimo Brics, referência a quatro nações em desenvolvimento que o economista britânico Jim O’Neill identificou com características socioeconômicas semelhantes, na virada do século. A África do Sul ingressou no grupo em 2011, ou seja, 10 anos após a criação do Brics. Em 2023, por meio de uma decisão histórica, Argentina, Egito, Etiópia, Emirados Árabes Unidos, Irã e Arábia Saudita foram convidados para ingressar no bloco. O presidente argentino, Javier Milei, esnobou o convite, enquanto a Arábia Saudita administra a própria entrada em banho-maria.

Nova ampliação

Na cúpula de Kazan, decidiu-se convidar mais 13 países a ingressar no grupo, como “parceiros”: Turquia, Indonésia, Argélia, Belarus, Cuba, Bolívia, Malásia, Uzbequistão, Cazaquistão, Tailândia, Vietnã, Nigéria e Uganda. Turquia e Indonésia, pelo tamanho e peso econômico, dificilmente aceitarão a condição de membros não plenos. Brasil, Índia e África do Sul rejeitam a caracterização do grupo como antiocidental, mas esse viés é cada vez mais acentuado pela hegemonia da China e da Rússia e pelo fato de os Estados Unidos trabalharem intensamente para afastar seus aliados do grupo.

A reunião de Kazan reforçou essa imagem, por causa do protagonismo de Putin, que ocupava a presidência rotativa do grupo e transformou o encontro numa demonstração de que os Estados Unidos e a Europa não conseguiram isolar a Rússia, em retaliação à invasão da Ucrânia. Desde Catarina, a Grande, no século XVIII, a Rússia é uma potência vista com desconfiança pelo Ocidente, mas capaz de fazer o “grande jogo” na Eurásia.

Lula não foi a Kazan, devido ao acidente doméstico, mas participou do encontro por videoconferência, criticou as guerras da Ucrânia e de Gaza, sem citá-las explicitamente, e defendeu a reestruturação do Conselho de Segurança da ONU. Equilibra-se entre dois polos, os Estados Unidos e a China, o que tensiona a política externa brasileira toda vez que se aproxima demais dos parceiros do Brics. Rubens Barbosa, presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e em Washington (1999-2004), avalia que a entrada dos novos parceiros tende a reforçar ainda mais essa visão.

Para Sarang Shidore, diretor do Programa para o Sul Global do Instituto Quincy, com sede em Washington DC, “os objetivos de curto prazo do bloco podem ganhar um impulso com os novos membros”. Na sua avaliação, o Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), o banco do Brics, está se consolidando e pode se beneficiar de mais investimentos e de uma estrutura expandida. A ex-presidente Dilma Rousseff, que preside o banco, com apoio do presidente chinês, Xi Jinping, e de Putin, teve, nesta quinta-feira, seu mandato renovado.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, é colunista do Correio Braziliense.

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