Morre Evandro Teixeira, mestre do fotojornalismo, aos 88 anos

Fotojornalista baiano também registrou repressão do regime de Augusto Pinochet e morte de Pablo Neruda, no Chile

“Aqui, na verdade, está um estilo. Aqui se vê uma sensibilidade. É Evandro Teixeira que está aqui. Mais do que o seu visor, é a sua visão”, escreveu Otto Lara Resende sobre seu colega de Redação do Jornal do Brasil.

O fotojornalismo brasileiro perdeu um dos seus maiores nomes, o baiano de “olhos iluminados”, também nas palavras do escritor mineiro. Morreu na tarde desta segunda-feira (4), aos 88 anos, o fotógrafo Evandro Teixeira, conhecido especialmente por seus registros da ditadura militar no Brasil.

Teixeira enfrentava uma leucemia crônica havia dez anos e morreu por falência múltipla dos órgãos, após complicações causadas por uma pneumonia, segundo familiares. Ele estava internado na clínica São Vicente, na Gávea, bairro do Rio de Janeiro, desde o início de setembro.

Cinelândia, Centro do Rio, 1968.

As imagens do Brasil sob repressão, a partir do golpe de 1964, compõem a fase mais conhecida de seu trabalho, que se estendeu por sete décadas. Teixeira fotografou ainda a violência no Chile sob as ordens Augusto Pinochet e acompanhou visitas do papa João Paulo 2º e da rainha Elizabeth 2ª ao Brasil. Também retratou grandes personalidades do país nas formas mais surpreendentes.

Teixeira nasceu na pequena cidade de Irajuba, no interior da Bahia, em 1935, filho de um fazendeiro e uma dona de casa. Aos 15 anos, mudou-se para Jequié, para estudar e trabalhar em um jornal local

Nesses tempos de adolescência, conheceu a revista O Cruzeiro e ficou fascinado pela produção fotográfica de José Medeiros, morto em 1990, com quem fez um curso por correspondência. O piauiense Medeiros —”o único que sabia fazer uma luz brasileira”, segundo Glauber Rocha— se tornou uma referência para Teixeira por toda a vida.

A essa altura, o fotógrafo já morava em Salvador, para onde havia se mudado em 1954. Estagiava no Diário de Notícias. Ele não se contentava, porém, com a vida profissional na Bahia. Três anos depois, fez as malas rumo ao Rio de Janeiro. Começou no grupo Diários Associados, de Assis Chateaubriand.

Em 1961, veio o primeiro convite para trabalhar no Jornal do Brasil. “Eu não posso ir para o Jornal do Brasil. O JB é a elite, e não estou preparado”, ele contou, na biografia “Evandro Teixeira: Um Certo Olhar”, de Silvana Costa Moreira. Dois anos depois, ele enfim trocou os diários de Chatô pelo Jornal do Brasil, onde trabalhou por 47 anos e ficou conhecido como “o cara que resolvia”.

Na madrugada de 1º de abril de 1964, Teixeira fez uma das imagens mais representativas daqueles momentos em que o golpe militar estava em andamento. No Forte de Copacabana, tomado pelos oficiais insurgentes, fotografou um soldado na contra-luz, sob uma chuva forte. Sombria, a cena parecia sinalizar o que estava por vir.

Tomada do Forte de Copacabana durante golpe militar, Rio de Janeiro, RJ, 01/04/1964. Evandro Teixeira/Acervo IMS
Tomada do Forte de Copacabana durante golpe militar, no Rio de Janeiro, em 1º de abril de 1964 – Evandro Teixeira/Acervo IMS

Em 1968, Teixeira alcançou o que é provavelmente seu ápice como fotojornalista, ao acompanhar as grandes manifestações contra o regime no centro do Rio de Janeiro. No dia 21 de junho daquele ano, a chamada Sexta-Feira Sangrenta, a cavalaria das Forças Armadas reagiu com truculência a um protesto de estudantes.

Uma das cenas registradas pelo fotógrafo mostrava dois soldados perseguindo um estudante, que estava prestes a cair no chão. “O rapaz levou uma bordoada tão violenta que se desequilibrou e caiu, batendo a cabeça no meio-fio. Deu um berro horroroso e ficou lá se estrebuchando”, lembrou o fotógrafo à reportagem quatro anos atrás.

Quando notaram que a cena era registrada, os soldados deixaram de lado o rapaz agredido e partiram para cima do fotógrafo, que conseguiu escapar. O jovem perseguido, um estudante de medicina, foi um dos dezenas de mortos naquele dia. Essa foto se tornou a principal imagem da campanha da Folha pela democracia, em 2020.

Soldados atacam estudante que participava de protesto contra a ditadura militar no centro do Rio de Janeiro, em junho de 1968
Soldados atacam estudante que participava de protesto contra a ditadura militar no centro do Rio de Janeiro, em junho de 1968

Com esse e outros registros da convulsão social em curso no país naquele ano, Teixeira expunha como aparato repressivo se tornava mais violento a cada dia. O autoritarismo crescente não era, porém, um fenômeno restrito ao Brasil e se espalhava feito onda naqueles anos pela América do Sul.

Em setembro de 1973, Teixeira foi ao Chile para acompanhar as primeiras semanas do regime Pinochet. Além de registrar o encarceramento em massa dos presos políticos no Estádio Nacional de Santiago, pôde captar a morte do poeta Pablo Neruda.

Sua primeira foto desse episódio mostra, a distância, a viúva de Neruda, Matilde Urrutia, de costas para a câmera, mas de frente para o corpo do marido, estirado em uma maca, coberto por um pano branco. “Meu filho, sua presença aqui é muito importante. Fique conosco”, afirmou Urrutia, segundo o fotógrafo.

Teixeira foi o único fotojornalista a registrar o momento imediatamente após a morte do poeta. Depois do velório, o corpo saiu em procissão pelas ruas de Santiago, tornando-se uma das primeiras grandes manifestações contra a ditadura chilena.

Acompanhar tão de perto a comoção em torno de Neruda já seria uma proeza do fotojornalismo. Mas Teixeira deu um passo além naquela viagem. Ele sabia da existência de porões subterrâneos no Estádio Nacional de Santiago, local que tinha conhecido bem ao cobrir a Copa do Mundo de 1962. Conseguiu fazer imagens de grupos de homens espremidos atrás das grades, à espera da morte.

As fotos foram publicadas dias depois, na capa do Jornal do Brasil. “Eu fazia uma meia dúzia de fotogramas e caía fora. Não ficava lá provocando os militares”, afirmou Teixeira, a este jornal, no ano passado, quando o Instituto Moreira Salles (IMS) organizou uma mostra com suas imagens desse período.

Além de conflitos políticos, Teixeira fotografou personalidades da cultura, como Leila Diniz, Tom JobimVinicius de Moraes e Cartola, e do esporte, como Pelé e Ayrton Senna. O mais relevante dos seus projetos autorais foi o dedicado ao centenário da Guerra de Canudos, na Bahia, em 1997. Resultou no livro “Canudos: 100 Anos”.

Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes no Rio de Janeiro, em 1979
Chico Buarque, Tom Jobim e Vinicius de Moraes no Rio de Janeiro, em 1979

Entre seus livros, também estão “Evandro Teixeira – 50 Anos de Fotojornalismo”, “Passeata dos 100 Mil” e “Vou Viver – Tributo ao Poeta Pablo Neruda”.

Especialmente nas duas últimas décadas, museus e galerias no Brasil e no exterior celebraram a obra de Teixeira. Em 2008, uma mostra na na Leica Gallery, em Nova York, reuniu 40 nomes da fotografia mundial. Eram dois os brasileiros lembrados na exposição, Sebastião Salgado e Evandro Teixeira.

Recebeu dezenas de prêmios, como os concedidos pela Unesco e pela Sociedade Interamericana de Imprensa. O fotógrafo deixa duas filhas, Carina e Adryana, e um acervo com mais de 150 mil fotos, sob os cuidados do IMS.

“com informações da Folha de SP..

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