
Maquete do antigo IESA no calçadão da Amaral Peixoto, obra do artista Leandro Miranda, faz Nova Iguaçu reviver a década de 30
novembro 24, 2018 /

O artista Leandro Miranda, iguaçuano, ex aluno do Iesa

Na imagem digitalizada, do antigo Iesa, Dom Luciano Bergamin e as Irmãs Yeda e Alzira na Rua Barros Júnior.

A maquete digital e os banners já estão em exposição no Iesa
PC – Quem é o Leandro Miranda e onde você mora?
LM – Sou um artista de Nova Iguaçu, embora o fato meu pai ser militar fez com que eu acabasse nascendo num hospital da Marinha, na Tijuca e, logo em seguida, meu pai me registrou num cartório de lá. Portanto sou carioca por acaso, mas meu lugar é aqui em Nova Iguaçu, lugar que meus avós escolheram para recomeçar a vida deles, quando vieram do Rio Grande do Norte, logo após a Segunda Guerra Mundial, em 1946. Vieram morar no Bairro Moquetá e foi ali que fui concebido, que cresci, que aprendi a fazer arte, com minha mãe dizendo “Menino, pare de fazer arte!!!”, sempre fui teimoso e nunca parei (rs). Esse foi meu primeiro desafio, ir contra o pensamento militar da época, pelos anos de 1970, já que ser artista nesse período, era uma coisa muito complicada. E decidir seguir essa carreira ainda com 9 anos de idade, era e foi o primeiro grande desafio. Ir contra a decisão de meus pais, que sonhavam em me ver numa escola militar. A falta de recursos não era problema, porque a arte estava ali, nas árvores, na terra, nas latas velhas, nas pétalas das rosas, no barro, nas sobras de madeira, nas caixas de ovos e de papelão, nos ferros velhos. Aos meus 19 anos, por conta do curso de teatro que comecei a fazer, fui morar no Rio e lá fiquei até meus 28 anos, quando voltei a morar em Nova Iguaçu. Hoje continuo a morar aqui, no Bairro Moquetá. Já não tenho mais 28 e sim 52 anos. Digo que muitos investiram em diversas áreas na vida, seja empresarial, profissional liberal, política, militar e etc. Eu investi na arte, na criação e na cultura e digo: “Como é difícil ter cérebro no país das bundas e dos bundões”.
PC- Qual a sua formação profissional e artística?
LM – Eu digo que tenho uma formação e uma história na arte. Você me perguntou e eu vou te responder, porque a minha formação se mescla com meu autodidatismo, minha experiência profissional e a acadêmica. Eu sempre chamei atenção por conta de meus trabalhos de arte, desde muito criança. Lembro que quando minha mãe ia mostrar meus trabalhos para as amigas dela, ou parentes, eu me escondia, por que tinha vergonha dos vários elogios que eu ganhava. “Meu Deus, ele é um artista!!”, diziam pasmas. Estudei no IESA até o meu ginasial (que seria a oitava série) e era um aluno regular. Nunca fui de tirar notas boas, mas nas aulas de arte sempre tirava nota máxima. Lembro de professoras de arte que me perguntavam qual seria o trabalho que ela deveria aplicar para os outros alunos. Ou as vezes eu chegava com trabalhos prontos na aula e as professoras decidiam aplicar aquele mesmo trabalho para todos. E de sair da escola com uma pilha de livros dos outros alunos de turma, para fazer os trabalhos de arte de todos eles em casa. Ainda no IESA, lembro da primeira vez que entrei na sala de pintura da Irmã Adele, eu tinha 9 anos. Fiquei enlouquecido, fiz alguns desenhos inspirados no que havia visto na sala dela e fui pedir para estudar pintura. O que ela me disse que eu ainda era muito novo e eu deveria ter 12 anos para começar. Passei a sonhar em fazer 12 anos todos os dias, para poder começar a estudar pintura. Quando fiz 12 anos, no outro dia eu estava na sala dela para me inscrever.

o restaurador Leandro Mesquita
Depois que saí do IESA, fiz curso preparatório em Madureira, passei para o CEFET-RJ, e comecei a estudar em São Cristóvão. Eu tinha talento para todas as áreas que me submeti, eletrônica, mecânica e edificações, porque tudo isso fez parte de minhas brincadeiras de infância e adolescência. Lembro que tinha mania de montar e desmontar os brinquedos eletrônicos/mecânicos que ganhava, para ver como funcionavam, adorava brincar de construir prédios, de fazer miniaturas e casa de bonecas para minhas primas e irmãs. Acabei passando para o curso de Mecânica Industrial. As aulas variavam de horário, as vezes pela manhã ou tarde. E o período que eu ficava no CEFET, eu aproveitava para fazer outras atividades. Fiz teatro, escultura, pintura, inglês e frequentava as aulas de desenho técnico para a construção civil, como ouvinte.
Logo que saí do CEFET-RJ, fui fazer estágio por um ano em uma empresa, no Distrito Industrial de Queimados, que fabricava válvulas de petróleo para a Petrobrás, cujas válvulas ficavam no fundo do mar, para controlar o fluxo da extração do Petróleo. Eu cuidava das ordens de fabricação e arquivo dos desenhos das peças que compunhas as válvulas. Mas eu não gostava de trabalhar ali, não era meu lugar, eu me achava um estranho no ninho, mas meus pais insistiam que eu tinha que trabalhar lá, era uma multinacional importante e me daria um bom futuro.
A empresa tinha ônibus para os funcionários e decidi, na época, aproveitar o ônibus da empresa que ia para o centro do Rio e me inscrevi na Escola Superior de Propaganda e Marketing, onde cursei um ano. Mas o teatro falou mais forte naquela época, porque eu sonhava em ser ator de cinema e teatro. Então tranquei a matrícula na escola de marketing e fui estudar teatro no “O Tablado”, de Maria Clara Machado, na Lagoa, aproveitando o mesmo ônibus que do centro do Rio seguia para a Zona Sul. Lembro que nessa época não havia cursos de teatro em Nova Iguaçu, o Teatro Arcádia, o único que ainda funcionava, estava acabando, por isso decidi estudar no Rio. No “O Tablado” conheci pessoas que viriam a se tornar importantes no teatro, famosas na TV e no cinema.
Nesse mesmo período acabou o estágio na empresa e me vi sem trabalho. Coincidentemente um aluno que estudava teatro comigo, me falou de uma equipe de pessoas que estavam fazendo maquetes para novelas da TV Globo e perguntei se poderia haver uma vaga para mim. Fui até um galpão em Bonsucesso e conversei com o maquetista Flávio Pape, lhe mostrei alguns trabalhos meus de arte e ele me aceitou na equipe. Ali foi meu começo em trabalhos de maquete. A equipe era dirigida por um profissional que muito tenho orgulho de falar que trabalhei, Ricardo Nawemberg, na época era diretor de multimídia da TV Globo e hoje é um grande diretor de comerciais e de cinema, proprietário da produtora Indústria Imaginária, situada em São Paulo, com filial no Jardim Botânico, no Rio.
Após ter finalizado meu tempo ali em Bonsucesso, fui trabalhar na Barra da Tijuca, ao lado do Barra Shopping, com a maquetista Elizabeth Zollinguer, no projeto do Polo de Cinema e Vídeo do Rio de Janeiro. Foi ali que aprendi a técnica de construção de maquetes para o mercado da arquitetura e engenharia, que é um pouco diferente do que havia visto nas maquetes para TV. Ali fiz diversos projetos em maquetes, como a casa do Dr. Roberto Marinho que foi construída na região serrana do Estado do Espírito Santo, o Casa Shopping, o Condomínio Santa Mônica, casas para o arquiteto índio da Costa, enfim, diversos projetos de arquitetura e engenharia civil, para as mais diversas construtoras e arquitetos. Até que um dia o arquiteto Sérgio Moreira Dias pediu a tal maquetista que fizesse uma restauração da maquete do Polo de Cinema e Vídeo do Rio, que iria entrar em exposição numa das Bienais do Livro, no Rio Centro. Ela me pediu que eu fizesse tal restauro. A maquete estava acabada, e eu dei um jeito tão legal na maquete, que acabou surpreendendo a Bethe Zollinguer, chamou a atenção do arquiteto Sérgio Moreira Dias e do então presidente do Polo de Cinema e Vídeo, Dr. Claudio Petragllia.
A partir de então, deixei de trabalhar com a Bethe Zollinguer, para prestar serviço para o arquiteto Sérgio Moreira Dias, na conservação e restauro de uma maquete gigante (10 x 10 metros) do primeiro projeto para um parque temático no Brasil, isso antes do Beto Carreiro World existir. Cuja maquete havia sido feita por diversos maquetistas do Rio, sob a supervisão do maquetista Flávio Pape. A partir daí, fui fazendo alguns trabalhos para o Sérgio Dias e, logo em seguida me contratou para ser um colaborador de sua equipe, para o concurso de revitalização da Orla Marítima do Rio de Janeiro, competindo com outros arquitetos, dentre eles, o paisagista Burle Max e Oscar Niemeyer. A nossa equipe acabou ganhando o concurso, que me rendeu dois diplomas do IAB, um para o projeto Leme a São Conrado e outro da Barra ao Recreio dos Bandeirantes como colaborador da equipe vencedora.
Com isso, acabei conquistando a equipe do Sérgio Dias e participando de muitos projetos com eles, na confecção de maquetes, junto com diversas construtoras do Rio de Janeiro, dentre eles a maquete do Via Parque Shopping e de um projeto para o parque temático da Xuxa, que seria construído no projeto de Expansão do Via Parque Shopping, onde hoje está o Via Parque Office. Também participei das três primeiras candidaturas da cidade do Rio de Janeiro ás Olimpíadas fazendo maquetes dos projetos e participei da confecção da maquete da vila olímpica para os Jogos Pan-americanos de 2007.
Acabei, depois, por trabalhar com os melhores maquetistas do Rio de Janeiro e fazendo maquetes para a exposição permanente de Oscar Niemeyer no Palácio Gustavo Capanema, no centro do Rio. Onde vim a ter um contato com o arquiteto e fiz uma intervenção no projeto de iluminação dele para as maquetes em exposição. Cheguei, também, a fazer algumas maquetes para o exterior.
Um dos projetos que vi nascer, foi o da Via Light. Na época, o Sérgio havia se tornado Secretário de Arquitetura e Urbanismo do Estado do Rio de Janeiro e eu fiz algumas maquetes para ele, para o Governo do Estado.
Uma coisa muito curiosa nesse período, foi como se deu minha relação de Nova Iguaçu com a Barra da Tijuca e o Governo do Estado do Rio. Lembro que um amigo meu de infância, que trabalhava como vendedor em uma loja no conhecido “Beco das Marcas”, no calçadão de Nova Iguaçu, me disse que havia acontecido algo muito “louco” numa época de natal. Havia estado tanta gente no tal “Beco das Marcas” para comprar, que as vitrines das lojas começaram a estourar de tanta gente. Eu levei tal assunto para um diretor financeiro da construtora ESTA SA, chamado Ademir – pai da atriz Thaís Araújo, cuja atriz eu conheci ainda era uma adolescente – cujo assunto o interessou muito, e seis meses depois estavam anunciando a construção do Top Shopping, no mesmo terreno da Ludo Veículos.
Quando começou o projeto da Via Light eu vi que esta seria a principal avenida da cidade, logo percebi que os terrenos em seu entorno iriam valorizar muito, então, comecei a pesquisar terrenos à margem da Via Light e ficava oferecendo tais terrenos para construtoras no Rio. Porém, na época, os terrenos que via estavam em inventário, alguns não acreditavam muito em mim, enfim, eu via que a cidade iria mudar, como de fato mudou. Enquanto eu tentava “vender” Nova Iguaçu para algumas construtoras e arquitetos no Rio.
Mas enquanto eu trabalhava com maquetes, saí do “O Tablado” depois de três anos e ingressei numa escola profissionalizante de teatro em Laranjeiras, que me formou como ator e artista, porque eu me envolvia em tudo o que acontecia na escola a nível de interpretação, direção, produção, escrita e arte; até o teatro da escola eu ajudei a reformar. Coincidentemente, a mesma escola que estudou na turma antes da minha, o ator Humberto Martins, que também estudou no IESA. Me formei com diversos alunos que acabaram ficando famosos na TV e no teatro. Após me formar como ator profissional, fiz algumas peças de teatro no Rio, cursos para interpretação em TV e cinema com o diretor artístico da antiga TV Manchete Atílio Riccó – que me colocou para participar da mini série o Fantasma da Ópera, com o personagem Murilo, assistente de Iluminação do Teatro Municipal do Rio – e com o diretor Walter Lima Júnior na Fundição Progresso. Também, cursei teatro com o diretor Aderbal Freire Filho em Copacabana e trabalhei como assistente de produção de alguns musicais importantes que ficaram em cartaz em teatros do Rio e São Paulo.
Embora tudo isso acontecesse, eu tinha um trabalho particular de arte, que fui fazendo de maneira a me descobrir como artista autoral através dele. Quando comecei a mostrar tais trabalhos, começou um processo de isolamento profissional, artístico e pessoal. Sim eu era um artista nato, com formação em mecânica industrial, desenho técnico, pintura, escultura, desenho artístico, experiência em arquitetura, produção teatral, sempre escrevi, enfim, eu era um potencial artístico bom, no meio de gente que quer ser bom e, como diz meu irmão “O mundo é mau”. Não tardou para eu ficar isolado, ou me isolar, buscando de maneira particular meu trabalho de arte e me conhecendo ao mesmo tempo.
E foi aí que “desapareci” do meio de todos, voltei para Nova Iguaçu, onde comecei a estudar meu trabalho, fazer pesquisas, me conhecer melhor, fiz curso de AutoCad 2D e 3D no SENAC-RJ, de Design Gráfico na Universidade Estácio de Sá e Design de Interiores no SENAC/Petrópolis e me auto diplomei artista plástico. Enfim, eu precisava saber quem eu era e o que eu queria com a minha arte, com meu trabalho e com toda a experiência que eu havia tido no Rio e as poucas experiências em São Paulo.
Juntei tudo o que eu tinha de experiência e estudo, e comecei a buscar um trabalho que fosse autoral, que tivesse uma veia original, que não passasse pelo trabalho de ninguém. Queria buscar o meu próprio caminho, não queria levar comigo uma consciência de que eu havia usurpado o trabalho ou a vida de alguém. Comecei a investigar e estudar meu trabalho de maneira científica, aplicando tudo o que eu havia estudado e as experiências que havia tido. Em 2006, acabei por desenvolver uma nova técnica de construção em perspectiva, que até o ano de 2017 me era inédita, cujo resultado eu registrei no Escritório de Direitos Autorais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro. Com tal trabalho, tentei uma bolsa de estudos na John Simon Guggenheim Memorial Foundation, fundação vinculada aos museus Guggenheim, em Nova York, para 2008. Por falta de sorte, esse ano se deu a crise financeira mundial, onde os EUA ficaram quebrado, o que fez tal fundação diminuir drasticamente o número de vagas, optando somente por candidatos dos próprios Estados Unidos. E, desde então, nunca mais abriu vagas para a América Latina. Mas, para meu conforto, recebi uma resposta que diz “infelizmente tivemos que recusar excelentes candidatos”.
Tudo isso coincidiu com a abertura da Via Light e com o fato de que uma nova estrada estava sendo aberta em Nova Iguaçu – e toda vez que uma nova estrada se abriu ligado a Baixada Fluminense e/ou Nova Iguaçu, um “boom” aconteceu. Isso desde a abertura do Caminho Novo de Garcia Paes, que deu origem a Baixada Fluminense; a Estrada Real do Comércio, que levou a criação do município de Iguassú e a Vila de Iguassú a capital deste; a Estrada de Ferro Dom Pedro II, que deslocou a cidade de lugar; a Rodovia Presidente Dutra, que deu um crescimento na produção de laranjas e nos ligou a São Paulo e a abertura da Via Light, que nos trouxe a “modernidade”.
Claro que meu trabalho coincidiu com esse “boom”, já que eu vi que a abertura da Via Light iria dar um novo panorama para a cidade, como se ela estivesse se abrindo para uma nova perspectiva. O que coincidia com o meu trabalho e estudos, que me levou a criar um projeto para uma exposição de arte inspirado na cidade, chamado “Nova Iguaçu em Perspectivas – 175 anos”, para 2007. Cujo objetivo era – ou é – expor Nova Iguaçu em forma de arte. Ao mesmo tempo, estudar a nossa linguagem, ou encontrar uma identidade cultural que eu sentia falta em meu trabalho. Eu queria aproveitar os jogos pan-americanos e a grande circulação de turistas na Barra da Tijuca, para o local da exposição. Eu tentei conseguir a praça de eventos do Rio Design Center da Barra, conversando com a gerente de eventos da empresa Ancar e, logo após os jogos, trazer a exposição para Nova Iguaçu. A tentativa foi frustrante, A Barra da Tijuca nos via como “emergentes” que não gostavam de se ver e, em Nova Iguaçu, o desespero de ser “emergente” colocava em jogo a reputação de pessoas, que se acham acima do bem e do mal. Acabei por engavetar o projeto.
Em 2017, em conversas com uma amiga de Petrópolis, que estudou comigo Design de Interiores, acabei por descobrir que meu estudo da perspectiva já havia sido estudado e colocado em prática na idade média, em um dos grandes patrimônios da história da humanidade, por ninguém menos do que Andréa Palladio, um dos maiores gênios da história da arquitetura, uma das forças que deram origem ao renascimento europeu e que influenciou, e influencia, a arquitetura até os dias de hoje. E tudo foi uma grande coincidência de fatos. O que muito me engrandeceu e me senti muito grato a vida por isso.
Também havia montado um projeto para 2006 chamado “Santos Dumont – A Maior Invenção do Século XX”, cuja exposição homenagearia o Centenário do 14 Bis. Tal exposição seria montada em Nova Iguaçu e ficaria em cartaz no Aeroporto Internacional do Galeão/Antônio Carlos Jobim. Mas devido a burocracias para aprovação de Leis de Incentivo à Cultura, o projeto não pode ser concluído.
Também montei um outro projeto para a Casa de Cultura de Nova Iguaçu chamado “A Fantástica Fábrica de Sonhos”, cuja exposição eu iria mostrar os diversos trabalhos que eu havia feito e estavam na minha casa, junto com uma performance teatral apresentado por um personagem criado por mim e que reflete o que somos. Mas infelizmente a Casa de Cultura não tinha estrutura para recebê-la, e, de qualquer jeito, eu não queira expor meu suado trabalho, o que me fez tentar patrocínios, mas, não consegui. Parece que a “laranjada embalada e industrial” que vem de fora, é muito melhor do que o “suco de laranjas natural” que temos aqui. Arquivei o projeto.
Entre 2007/2008, eu fiz um importante trabalho de arte, onde, ao final, me auto diplomei artista plástico e um especialista em cultura brasileira, chamado “A LIBERTAÇÃO”. Onde meu objetivo era mergulhar na nossa cultura brasileira e, sair dela, com uma linguagem que falasse, que identificasse o Brasil. Que me respondesse diversos questionamentos pelos quais eu estava passando, como, por exemplo, os de uma música chamada “Querelas do Brasil” de Aldir Blanc e Maurício Tapajós, gravada por Elis Regina, onde ela canta: “O Brazil não conhece o Brasil, o Brazil não merece o Brasil, o Brazil está matando o Brasil, do Brasil SOS ao Brasil”… e acaba com “Ipanema e Nova Iguaçu…” Eu queria saber que Brasil é esse que não se conhece, que não se merece, que está se matando e que pede socorro a si próprio e que nos reconhece, mas não nos conhece. Questionamentos feitos no final de 2006 e respondidos no final do ano de 2008, com o término do trabalho. Eu o considero um dos mais importantes trabalhos de arte já feito no Brasil e, acho, que deverá levar uns 100 anos para ser entendido e compreendido de todo.
Após um período de paralização de minha carreira por problemas emocionais/profissionais, recomecei a fazer um novo projeto para uma exposição em homenagem a Nova Iguaçu, onde eu comecei a criar quadros em mosaicos com elementos que identificasse a cidade. Com isso, foi preciso buscar elementos para tal, o que me fez, novamente, entrar na história do município. Em meio a isso, o Príncipe Albert II de Mônaco esteve no Brasil em 2013 para o carnaval e, a convite do Padre Renato Chiera, Presidente da Casa do Menor São Miguel Arcanjo, esteve em Nova Iguaçu para conhecer tal instituição em que ele mesmo é um dos financiadores. Na época, eu recebi um convite para fazer um trabalho de arte para presentear ao Príncipe, vindo do prefeito da cidade, onde eu aproveitei a mesma técnica em mosaicos que estava fazendo, e preparei um quadro em 3D, com a fachada da Instituição.
Enquanto eu fazia os tais quadros, dentre eles o que retrata a imagem de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú e por influência do historiador e professor Antônio Lacerda, acabei por fazer o projeto de interior do Museu de Arte Sacra da Diocese de Nova Iguaçu, além da maquete do Museu, que será, em breve, instalado no subsolo da Catedral de Santo Antônio. Ainda dentro dessa proposta, montei um projeto chamado “VIAGEM PITORESCA À VILA DE IGUASSÚ NO SÉCULO XIX”, cujo projeto tem o objetivo de chamar a atenção para nossa história, para a importância desta mesma história e a valorização de nosso patrimônio histórico e cultural, que deram origem ao que hoje conhecemos como Baixada Fluminense. Cujo projeto inclui a valorização e afirmação de nossa identidade cultural, também através de um texto/conto chamado “A LENDA DE Y-GUAZU (A HISTÓRIA DA VELHA ANCIÃ E DO UIRARACÊ-TUTÓIA) ”.
Após ter feito tais projetos, fui convidado pelo Padre Marcus Barbosa, Vigário Geral da Diocese, para refazer os altares laterais da Catedral de Santo Antônio, que sustentam a imagem dos padroeiros da cidade. Cujos altares foram estudados e desenhados para serem definitivos, respeitando, e casando, com o estilo eclético da decoração do interior da Catedral. Em seguida, o mesmo Vigário Geral, me convidou para fazer o restauro das colunatas do interior da igreja que estavam muito ruins e, em seguida, o convite para fazer o presépio da Catedral de Santo Antônio. Cujo presépio, que já faço a quatro anos, sempre tem trazido um contexto histórico da cidade, de maneira a embasar e sublinhar a importância de um museu para nossa região, juntamente com as exposições que conseguimos, através do Museu de Arte Sacra de São Paulo, sendo elas “O PAPA SORRIU – CARICATURAS DE FRANCISCO” e ‘MADRE TERESA DE CALCUTÁ – VIDA OBRA E ESPIRITUALIDADE”.
Junto com isso, veio a proposta de fazer cartões pop-up para o Museu de Arte Sacra de São Paulo e, também, para Nova Iguaçu, de maneira a valorizar o patrimônio histórico da Diocese e dos sete municípios que a engloba. Também conseguimos a autorização da Arquidiocese do Rio, para fazer cartões pop-up inspirados no Cristo Redentor e que serão vendidos nas lojinhas de souvenires do próprio Corcovado; cujos cartões são confeccionados junto a jovens internos da Casa do Menor São Miguel Arcanjo/Tinguá.
O ano passado me inscrevi para fazer um mestrado on line com o arquiteto Frank Gary, um dos melhores e mais conceituados arquitetos da atualidade. Autor dos projetos dos museus Guggenheim espalhados pelo mundo e fui convidado para ser um “beta teste” do curso para alunos selecionados do mundo inteiro. Onde eu deveria avaliar as seis primeiras aulas do arquiteto e dar um feed back para o site. Mas devido a montagem da exposição de Madre Teresa de Calcutá e o final de módulo do curso de design que eu estava fazendo, onde eu corria o risco de ser reprovado se não entregasse o projeto de final de módulo, não pude atender ao convite do site, já que tudo caiu no mesmo tempo. Quando fui responder ao convite do site, já havia passado o tempo que eles esperavam. Eu tinha que sacrificar alguma coisa, mas, enfim, fiz o curso, o que muito me valeu.
E nesse momento, estou confeccionando o novo presépio da Catedral de Santo Antônio junto com os internos da Casa do Menor, em Tinguá, cujo presépio vai continuar a falar do contexto histórico da cidade, unido da ideia de criação do Museu de Arte Sacra da Diocese de Nova Iguaçu.
Ufa!!! Cansado?? Claro que não!! A cada novo não, muitos “sins” vem me cercar.
PC – Porque decidiu realizar essa maquete do antigo Colégio Santo Antônio? Quem teve a ideia do projeto?
LM – Bom, após o IESA, através da Irmã Yeda e Irmã Alzira, ter-nos dado todo o apoio para a criação do nosso Museu de Arte Sacra Diocesano e ajudado com as exposições do Papa e de Madre Teresa, eu me senti na obrigação de retribuir tão boa mão. Ao ver que a escultura do Santo Antônio da capela do colégio, estava quebrada em uma das mãos, por conta de uma pedra que veio de fora, me ofereci para fazer a restauração e em seguida, também restaurei uma outra imagem. Logo em seguida a irmã Yeda me convidou para ver o acervo do colégio que elas guardam, com o objetivo futuro de criar uma “Sala de Memória” da escola. Vendo tal acervo, me lembrei do antigo prédio que ficava aos fundos da catedral e eu já tinha vontade de fazer a maquete de tal prédio há muito tempo, e vi que havia chegado a hora. Comentei com a irmã Yeda e saí de lá com isso na cabeça. Logo comecei a recolher as fotos disponíveis do tal prédio e conversar com algumas pessoas que haviam estudado no antigo colégio, para saber como era o edifício.
Aos poucos, fui casando as informações para saber como era o prédio, já que não existem as plantas. Fiz um estudo de maneira minuciosa e, a partir dessas análises, foram feitos diversos estudos em rabiscos, desenhos e ilustrações e, finalmente, as plantas, que permitiram a construção em maquete do antigo prédio do colégio. Além, claro, a criação de ilustrações artísticas digitais, que permitiu a remontagem da antiga e famosa foto do prédio com o Padre João Müsh e as primeiras freiras que chegaram para a fundação da escola. Cuja remontagem, ilustra como seria, nos dias de hoje, se o prédio ainda existisse, ao mesmo tempo, faz uma homenagem ao Bispo Dom Luciano Bergamin, a irmã Alzira e Irmã Yêda, ambas diretoras do IESA – Prata e Barros Júnior.
De início, como eu disse, era um trabalho de maquete para ficar em exposição no acervo histórico da escola, para compor a futura “Sala de Memória” do colégio. Mas quando fui fazendo todo o trabalho que resultou na maquete, e vi a beleza do prédio que ia ganhando forma em 3D, junto com as pesquisas e objetivos do trabalho; vi que ele poderia virar uma pequena exposição com banners contendo as fotografias históricas, as ilustrações que fiz, os desenhos, mais a história do prédio e do colégio, com as fotos da maquete, cuja exposição poderia circular por diversos locais da cidade.
Aos poucos eu fui mostrando a irmã Yeda o trabalho. Primeiro um desenho em forma de diploma do colégio, depois a ilustração artística digital, depois as plantas e pôr fim a maquete. E a cada vez que eu ia até lá, a irmã Yeda se surpreendia com o resultado do trabalho. Então, propus fazer essa pequena exposição com a maquete do antigo Ginásio Santo Antônio e fazer circular pela cidade, o que ela concordou e assim montamos o trabalho.
E em se tratando de patrimônio histórico, o Colégio Santo Antônio foi fundado em 1935 através do Padre João Müsh, que sonhava com uma escola com religiosas consagradas em Nova Iguaçu. Neste mesmo ano chegaram as primeiras irmãs vindas de Bolanden, Alemanha, que abraçaram o pedido do padre para a criação do colégio. No início as aulas foram dadas no porão da Catedral, somente me 1938 deu-se a realização de seus sonhos, conseguiram fundar o prédio do Colégio Santo Antônio. Em 1953 o colégio passou a acolher também os meninos para o ensino, mas já não comportava mais os 1.200 alunos. Em 1957, foi lançada a pedra fundamental do novo prédio da escola, junto com a promoção do colégio a Instituto de Educação Santo Antônio. Em 1966, foi realizada a solenidade de conclusão da obra que hoje é a sede do IESA. Isso passa pela história da igreja em nossa região, portanto fala de memória, de preservação de nossa história, além da influência da igreja na educação de nossa região.
PC – Quanto tempo levou para realizar todo o trabalho? Qual foi o custo?
LM – Todo o trabalho demorou três meses para ficar pronto. Eu dividiria em 10 dias de pesquisa, 30 dias para os desenhos, ilustrações e banners, 20 dias para a confecção de plantas e 30 dias para a confecção da maquete. Eu fiz o orçamento da maquete com o mercado do Rio e São Paulo, o que variou entre R$ 15.000,00 a R$ 20.000,00. Já para as ilustrações artísticas digitais, o preço variou entre R$ 1.500, 00 a R$ 2.000,00. Já para todo o estudo que resultou nos desenhos e ilustrações, assim como as plantas, o trabalho seria orçado por volta de R$ 8.000,00 a R$ 10.000,00. Todo o apoio da exposição, como tripés, confecção de banners, mesa suporte, caixa de acrílico, iluminação e cartazes, o valor ficou em R$ 2.500,00. Tirando uma média, o trabalho ficaria em torno de R$ 30.000,00.
PC – Quando pretende lança-lo publicamente?
LM – Quando levei a proposta para a Irmã Yeda, claro que decidimos que o primeiro local da exposição deveria ser o próprio IESA, tanto para aproveitar o final das aulas e pegar o período de matrículas da escola. Durante o período de festas de final de ano, o trabalho vai estar exposto na Catedral de Santo Antônio, assim como o período de férias. Quando retornar as aulas levaremos para o IESA-Prata e depois pretendemos circular pelos diversos locais da cidade que tenha público, como a Casa de Cultura, a Casa da Inovação, o Prédio da Prefeitura e os mais diversos locais públicos que possam se interessar em levar tal trabalho para expor, como clubes, Ong’s, instituições, empresas, universidades e etc. Uma caixa contendo cartazes com a ilustração digital do prédio estará ao lado, para que os visitantes possam levar uma lembrança da exposição à um valor simbólico.
PC – Qual o objetivo desse trabalho? Por que reconstruir em maquete um prédio histórico da cidade e por que do antigo Colégio Santo Antônio?
LM – Vários objetivos estão embutidos nessa proposta. Primeiro a ideia de uma “Sala de Memória” que remete à preservação de acervo histórico de um determinado tema, que por acaso é o IESA. Segundo, o fato de que tal importante e tradicional escola faz parte da Diocese de Nova Iguaçu e de sua história. E o IESA tem dado todo apoio a criação do Museu de Arte Sacra Diocesano para nosso município/região. Claro, cultura está diretamente ligado a formação educacional. Terceiro é que o antigo prédio do IESA é um importante patrimônio histórico de nossa cidade/município, que se perdeu, infelizmente. O antigo prédio do IESA ficava nos fundos da Catedral de Santo Antônio. Não se sabe ao certo o por que ele foi demolido, o que se sabe é que foi por motivos econômicos, visando o futuro de arrecadação financeira para a manutenção da Catedral. E uma das propostas de termos um museu na cidade, é justamente a preservação de patrimônio histórico, artístico, cultural e arquitetônico da Diocese Iguaçuana, ao mesmo tempo um resgate deste, mesmo que de forma ilustrada.
A proposta de “trazer de volta” esse prédio, é chamar a atenção para a preservação/degradação de nosso patrimônio – seja ele material ou imaterial – histórico, artístico, cultural e arquitetônico de nossa região, propondo um resgate deste, para que venhamos a ter uma consciência mais inteligente a respeito do que fomos, do que nós perdemos e o que nós poderemos ganhar, a partir da preservação da nossa história. Através de iniciativas desse tipo – que aponta para o novo tempo que se inicia com o século XXI – a preservação deste mesmo patrimônio, em toda a sua integridade, passa a ser uma regra importante, inteligente e atual, para o nosso futuro enquanto cidade e na luta contra o “Alzheimer social” que tenta apagar de nós a nossa memória e história.
A demolição deste prédio, e de outros tão importantes, nos mostra o quanto perdemos quando destruímos algo que hoje, se tivesse de pé, seria considerado um patrimônio histórico de nosso município e seria, com certeza, muito bem aproveitado. Cujo prédio em estilo eclético (neogótico com art decó), elegante e pomposo, nos fala muito a respeito do que fomos e do que foi nossa cidade em determinado período marcante de sua história. Foi demolido por acharem que é preciso ser moderno, novo e contemporâneo; como se não fosse moderno, novo e contemporâneo a preservação do patrimônio histórico de uma região.
PC – Quando você pretende lançá-lo publicamente e qual foi a reação das pessoas, sobretudo as que tem mais de sessenta anos, ao ver a maquete do antigo prédio que ficava na rua do calçadão?
LM – A partir das festas de final de ano e início de 2019, essa pequena exposição estará na Catedral de Santo Antônio e começará a circular pelos mais diversos lugares. Poderá ser vista nos locais públicos da cidade, como Casa de Cultura, Casa da Inovação, Prefeitura, clubes, universidades, Ong’s, empresas, bancos e as mais diversas instituições. Quem se interessar pode entrar em contato com a Catedral de Santo Antônio e pedir o meu contato, ou pelo e-mail leandromiranda2020@hotmail.com.
Com relação a reação das pessoas, isso ainda será uma surpresa para todos, já que ainda não foi mostrado publicamente. Mas a reação da Irmã Yeda foi a de dizer: “O que você fez menino!!! Vou chamar as outras irmãs, porque não quero guardar essa alegria toda só para mim!!”
PC – Qual a postura crítica que você vê dos governos municipais, ao longo dos anos, que nunca preservaram essa história, essa memória da cultura da cidade?
LM – Isso é assunto bastante delicado, porque não é só uma postura dos governos, mas uma postura nossa enquanto cidadãos. Os governos refletem aquilo que somos, é preciso não esquecer que quem elege nossos governantes somos nós mesmos. Enquanto nós, como cidadãos e como sociedade, não entendermos a importância de nossa própria história, não adianta cobrar dos governantes aquilo que reflete o que somos através do voto direto. Embora, já tenha batido na tecla de que nós elegemos aqueles que devem refletir nossos anseios e, fazer aquilo que está além das possibilidades do cidadão comum. Essa de se candidatar a um cargo público, porque ele reflete o “Poder Público” e, que por isso se pode fazer qualquer coisa que vai além dos interesses dos cidadãos que os elegeram, me cheira a tirania. Acho que não deveria se chamar “Poder Público” e sim “Gestão Pública”, porque “gestão” fala de competência e “poder” de arrogância, de soberba, de se sentir superior.
Esse prédio do IESA, por exemplo, foi demolido pela própria igreja, não pelos gestores públicos. Eu começo tal proposta falando de preservação/degradação de nosso patrimônio cultural, através de um projeto de um museu diocesano, colocando “no fogo” a própria igreja e suas atitudes. Ou seja, começo a crítica pela própria casa. Ao mesmo tempo tento jogar para cima essa mesma igreja, com a proposta de criação de um Museu de Arte Sacra, que acho fundamental para a preservação de nossa memória devocional e que também caminha junto com a preservação pública municipal, já que as histórias se unem no período monárquico.
Tudo o que vi desde quando comecei a me interessar por nossa história, a montar projetos que falassem desse assunto, foi muita hipocrisia, vontade de ter poder pelo poder, gente querendo se aproveitar e se apropriar de meus talentos e estudos para se sentir superior a todos e a mim mesmo. E, enquanto isso, via nosso patrimônio sendo cada vez mais destruído, em ruínas, esquecido, deixado de lado. Enquanto via pessoas que se colocam como elite da cidade (elite política, empresarial e social), postando fotos em viagens, até para o exterior, em frente a patrimônios históricos culturais preservados, museus e etc. isso me indignava e me deixava com muitas interrogações. E como já coloquei, parece que a “laranjada pronta” que vem de fora é muito melhor que o “suco de laranja natural” que temos por aqui. E com isso, por não se conhecerem, não conseguem enxergar que era a nossa laranja local que era exportada para toda Europa, América do Sul e Canadá. Mas isso é um péssimo hábito do Brasil como um todo, cuja Nova Iguaçu é só um retrato 3×4. Mas Caetano Veloso disse uma vez em uma de suas músicas: “Se o mundo é um lixo, eu não sou! ” E isso reflete exatamente o que eu penso a nosso respeito.
Quando montei o projeto para a exposição “VIAGEM PITORESCA À VILLA DE IGUASSÚ NO SÉCULO XIX”, foi tão lindo essa inspiração e veio com tanta força, que eu achava que eu iria encantar a todos e, com isso, eu iria conseguir o apoio de todos para levar tal proposta adiante. Não estava montando isso por mim, mas por todos nós, pela cidade. A reação de todos os que viram, no momento que a coisa estava quente, parecia muito boa, mas com o tempo vi que tais reações eram completamente hipócritas com relação ao assunto que falava de preservação e resgate do nosso patrimônio. E tudo de repente se calou, como se o trabalho que eu havia tido por oito meses, era algo sem a menor importância. Logo em seguida comecei a fazer o projeto do Museu de Arte Sacra, que veio para mim com a mesma força, com vontade de ganhar a todos e lhes mostrar a importância de tal projeto para nossa cidade. E que ele poderia nos levar ao outro projeto sobre a Vila de Iguassú, tanto que os presépios que tenho feito, fala desse assunto. Mas fiquei pasmo e, ao mesmo tempo indignado, de ver que pessoas que poderiam nos levar adiante com tais propostas, na verdade estavam querendo se apropriar destas mesmas propostas, para que elas fossem os autores de tudo o que eu estava propondo. E que tais pessoas estavam muito ligadas a questões políticas, mas que falam de politicagem, entende, e não de uma política enquanto ciência social. Acho que as pessoas deveriam esquecer um pouco seus títulos e estudar mais um pouco, se educar.
Eu nunca havia conseguido conversar com uma autoridade política de nossa região, por exemplo, e não quero ser puxa saco, não estou aqui para isso, e não preciso disso, mas verdade seja dita. Fiquei muito surpreso quando em uma missa de aniversário da cidade na Catedral de Santo Antônio, logo no início do governo do prefeito Rogério Lisboa, conversamos por 45 minutos. Onde pude colocar para ele, não cobranças sobre cultura, educação, enfim, mas o fiz entender a importância do meu trabalho, ou do artista e sua arte, da cultura para nossa sociedade e como a arte poderia ser um instrumento social benéfico quando bem empregada. Até pude conversar com ele sobre a questão difícil e antagônica da arte na igreja católica, em relação a igreja protestante. E eu vi um homem quieto e com a mente aberta para entender toda uma situação e a importância da cultura, que deve caminhar junto com a educação, com a segurança, com a saúde, com a arquitetura e o urbanismo, com as obras, enfim junto com a evolução da cidade. Fiquei feliz com o resultado de nossa conversa e com o fato de que uma autoridade política importante me deu ouvidos para colocar o que eu penso a respeito do que somos, que, independentemente de qualquer coisa, de qualquer contrato profissional, me deu mais força para continuar. Sabia que algo de bom poderia acontecer. Pelo menos no meu trabalho, isso só me deu forças para ir mais além. A cultura e a sua expressão na arte precisam muito disso, de ser ouvida, entendida, compreendida, para ser aceita. Depois de aceita, passar a ser útil.
PC – Fale um pouco dessa proposta de termos um museu em nossa cidade?
LM – Na verdade é um museu da Diocese de Nova Iguaçu. Tal Diocese compreende sete municípios da Baixada Fluminense. Portanto parece estranho falar de um Museu de Arte Sacra de Nova Iguaçu, quando na verdade ele abrange metade da Baixada Fluminense. Mas a Catedral de Santo Antônio de Jacutinga, além de ser um importante edifício histórico de nossa região, é a igreja Matriz da Diocese e, desde quando começamos a pensar em como seria o museu, tudo indicava que ali era o local ideal para a sua instalação.
A cada dia que passa, a cada novo projeto de arte que envolve o projeto do museu, um elemento novo surge. É como se o projeto estivesse ainda se desenhando. E a principal proposta é essa, não deixar morrer a nossa história, lutar contra o que chamo de “Alzheimer social”, que tenta apagar de nós a nossa memória, o que somos e nossa história. Temos em nossa Diocese exemplos lindos de nossa arquitetura religiosa, cujas histórias vem desde o século XVII e que reflete a simplicidade e a singeleza que tanto fala a nosso respeito e sobre o que somos. Temos uma estatuária importantíssima que reflete o início de nossa região, que começa ainda no século XVI e segue até o século XX e que continua a se desenhar pelo século XXI. Sem falar na indumentária, sobras de retábulos, instrumentos litúrgicos, documentos importantes relativos a história da Baixada Fluminense e, a própria história, que parece agonizar pedindo que seja valorizada, antes que acabe. E ainda que venha abaixo, as pedras falarão por elas. Como ainda falam as ruínas dos antigos portos à margem do Rio Iguassú, as ruínas da Fazenda São Bernardino, as ruinas que sobraram de antigos moinhos e engenhos, como ainda fala a torre sineira da antiga igreja matriz de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú e o antigo cemitério de Nossa Senhora do Rosário.
Quando nossa história é esquecida, somos nós que estamos esquecendo de nós mesmos. Esquecendo de valorizar quem somos e o que representamos. Esse projeto de criação de um museu para nossa cidade, é de muita importância para a valorização de nós mesmos, para a preservação de nosso patrimônio histórico local, para a valorização e afirmação de nossa identidade cultural, ainda tão desconhecida de nós mesmos. Um ditado budista diz: “Se esquecermos quem somos, o outro nos fará ser qualquer coisa”. E é exatamente isso que falta em nós, comprarmos a nossa própria briga.
O que tenho entendido com tudo isso, é que a nossa história é como um “elo perdido” de uma parte importante da história do Brasil, que está escondido debaixo de muita sujeira, de muita poeira, muito desprezo e esquecimento. Cuja história começa com a abertura do Caminho Novo de Garcia Paes, a partir da descoberta do ouro em Minas Gerais, na região que viria a ser a cidade de Ouro Preto, a elevação da Capela de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú à Capela Curada, onde começou um povoado ao redor, que veio a ser uma Igreja Matriz, que veio a ser criada a Freguesia de Nossa Senhora da Piedade do Iguassú, que veio a ser a Vila de Iguassú, que era a capital do Município de Iguassú, que veio a ser Nova Iguaçu e toda a Baixada Fluminense. E juntar tudo isso em um projeto desses, é abrir caminhos para o futuro, que vai além da preservação patrimonial.
PC – Então, termos um museu em nossa cidade é algo importante para nossa região?
LM – É algo de muita importância, já que fala de preservação de nossa história sendo colocada em exposição para que todos possam ter acesso ao acervo, as informações e pesquisas. Além de propor e provocar, sensibilizando a todos, a preservação, restauração e resgate de nosso patrimônio histórico, artístico, cultural e arquitetônico de nossa região. Além do espaço em si do museu com a exposição permanente, também está previsto a criação de uma reserva técnica, de um espaço para atender a alunos de ensino primário e médio com biblioteca e sala de educação. Espaço para exposições temporárias e para filmes religiosos ou que atendam ás necessidades de educação através do perfil do museu, além de lojinha de souvenir e café. Também será integrado ao museu o atual arquivo da Cúria Diocesana tão utilizado por estudantes de história, pesquisadores e historiadores. Enfim, será um projeto muito importante e que vai valorizar o centro comercial de nossa cidade, nos levar a um outro status, valorizar a Diocese como um todo em todos os sete municípios que a compõem e incentivar o intercâmbio com outras regiões.
PC – O que é a arte para você?
LM – A arte é minha eterna amante. Ela dá sentido à minha vida, é fisiológico. Se a arte se afasta de mim, fico como um passarinho preso em uma gaiola forçado a cantar sem ter seu canto. Como um jogador de futebol que tem as pernas quebradas.
A arte reflete o esplendor da vida e, tal esplendor, é feito de fatos marcantes, cujos fatos tocam a vida em determinados momentos. Onde o reflexo da arte deixa registrado tais momentos na expressão do artista. Este capta no ar tais fatos marcantes, que merecem receber, na expressão da arte, tais momentos em que se vislumbra tal esplendor. A arte que reflete um valor que esconde uma máquina caça-níqueis, não vai muito longe, ou tem muito pouco a dizer. É como uma onda que bate e volta e ninguém mais se lembra dela. Mas a arte que toca o verdadeiro sentido da vida, merece ser eternizada em fatos marcantes, que brilham em forma de esplendor, na expressão do artista. E isso merece ser preservado, porque ela conta uma história importante.
Não sei se consigo isso. Mas confesso que sinto, em momentos muito únicos, um sentido importante de estar vivo e, então, sinto vontade de expressar, de dizer isso a todos em forma de arte.
PC – Para finalizar, como é ser um artista no Brasil?
LM – Muito difícil. É como ser um pássaro e ter que viver em um local insólito, árido, seco e quente como o sertão, com muitas pedras, cactos espinhosos, ratos, aranhas, lagartos e cobras. Onde não se pode ter a oportunidade de pensar em ser um periquito, ou canário, ou beija-flor, ou sabiá, ou um bem-te-vi, nem pensar em deixar de ser um pássaro, porque já se nasce assim. É preciso se descobrir um carcará, que, se for preciso, “puxa no bico “inté” matar, que pega, mata e come” e ainda assim não perder a essência de ser um pássaro e de poder voar.
As pessoas sempre esperam que o artista tenha que vir acompanhado dos holofotes, dos flashs, das roupas com brilhos e com a marca da TV. Se não for assim, é um artista que não tem valor, ou é um falido, um fracassado e não é respeitado. Mas isso é uma visão de quem está de fora do meio da cultura e da arte e não entende o que acontece. A arte, ou a inspiração, é 5% e 95% é trabalho. O sucesso é 10% holofotes e 90% trabalho. Nunca me preocupei muito com os 10%, porque acredito que o que de fato faz a arte e a carreira do artista são os 90%. E com esses eu sempre me preocupei, porque sempre trabalhei muito. Caso contrário eu teria me ocupado em participar de BBB, em sair nu em revistas masculinas, em me prostituir para aparecer em uma novela qualquer, ou ter um produto caça-níquel para encher meu bolso e fazer um sucesso efêmero.
Quando se é um artista nato, estudioso, pesquisador e de talento da Baixada Fluminense, de família simples, sem apadrinhamento, sem ser filho desse ou daquele, as dificuldades se multiplicam em muito. Porque a tendência do mercado, ou do “camelódromo” que se transformou o mercado da arte, da cultura e do entretenimento no Brasil, quer sempre destruir seus valores, suas heranças culturais que recebeu de seus antepassados, o que você é, para fazer parte de uma “indústria” cafajeste. Cuja “máquina” é um rolo compressor, que não está muito preocupado se você é humano, se tem sentimentos, se você tem fraquezas, se você tem família, valores e etc. Nesse mundo viciado do mercado do sucesso e da fama, cada vez mais as pessoas estão sendo consideradas um produto descartável. Tal pessoa dá o retorno financeiro para sustentar um mercado milionário? Então deixa na vitrine do mercado, se não dá, coloca no estoque, ou deixa de lado. E quem está de fora, ou não faz parte do meio que forma esse mercado, é levado por essa (falsa) vitrine, que é formada, principalmente, pela televisão.
E para mim isso não reflete o que é a arte. É uma cultura de máquinas caça-níqueis, que está cada vez mais instituída em nosso meio social brasileiro e que, para mim, é uma contravenção velada. Que vem do desespero em ter que ser emergente para aparecer para todos como ricos, ou falsos ricos. Falo falsos, porque podem até conseguir ter dinheiro, mas a cabeça é de quem não evolui.
Eu não tenho medo de falar essas coisas, porque não estou comprometido com essa “máquina” ou com essa indústria de fabricação de máquinas caça-níqueis. No início de minha carreira até frequentei, por um tempo, o meio artístico do Rio, mas fui expelido dele, fui deixado de lado, por não conseguir me inserir nesse mercado. Eu era um artista nato, mas ainda não formado, no meio de uma gente que quer ser rica, famosa e ter poder a qualquer custo. E esse “qualquer custo” eu achei que era muito alto para mim e de muito pouco valor. Eu sou uma consequência do que faço e não o faço só para querer ser a consequência.
PC – Deseja falar mais alguma coisa para finalizar?
LM – Quero sim. Te agradeço muito Paulo Cezar Pereira, por essa oportunidade de poder falar essas coisas e deixar as pessoas me conhecerem um pouco mais. Obrigado ao site Nova Iguassuonline e desejo a vocês todo o sucesso do mundo e deixo um forte abraço a todos os seus leitores. Quem quiser entrar em contato comigo, deixo meu e-mail leandromiranda2020@hotmail.com, ou entre em contato com o site. Obrigado e até a próxima.
Por Paulo Cezar Pereira, com fotos de arquivo e de Leandro Miranda.
Paulo Cézar
PAULO CEZAR PEREIRA, também chamado de PC ou Paulinho da Baixada, aprendeu jornalismo nas redações de alguns principais veículos – rádios,jornais e revistas. Conheceu, como Repórter Especial do GLOBO, praticamente todos os estados brasileiros, as duas antigas Alemanhas antes da reunificação, Suiça, Austria, Portugal, França, Itália, Bélgica, Senegal, Venezuela, Panamá, Colômbia e a Costa Rica. É casado com Ana Maria e tem três filhas que já lhe deram cinco netos. Tem três paixões: a família, o jornalismo e o Flamengo. No passado, assessorou um governador, um senador, dois prefeitos e vários deputados. Comandou a área de Comunicação de Nova Iguaçu num total de 12 anos. Já produziu três livros : um para a Coleção Tiradentes, outro contando a evolução de Nova Iguaçu quando a cidade completou 170 anos, e o do jubileu de ouro da Diocese de Nova Iguaçu.
