Mães e filhos: vínculos de humanização

*Dom Gílson Andrade

Hoje é Dia das Mães, de todas as mães, daquelas que estão em nossas casas e daquelas que já não se encontram mais entre nós, porque a mãe, de alguma forma, está sempre. A sua presença se reproduz na vida dos filhos, não apenas com a herança genética que se carrega, mas, sobretudo, com as marcas da história, do afeto e dos cuidados que ela representa. A maternidade é tão rica que supera a mera dimensão biológica. Por isso, também há verdadeira experiência de maternidade em mães que não puderam gerar filhos.

A história de cada pessoa tem essa memória, mesmo para aqueles que não a conheceram. No fundo podemos dizer uma coisa certa sobre nós: somos filhos! Ser filho é poder existir, é ser de uma maneira concreta em referência a alguém.

Reconheço, no entanto, que em um tempo como o nosso, marcado por tanta vontade de autonomia, esse discurso pode ser desconfortável em alguns ambientes. Não desconheço a dificuldade que hoje temos de pensar por conta própria, com autêntica liberdade de pensamento. Quantas vezes quando se reclama tal possibilidade, tem-se o perigo de estar encaixado em uma das tantas ideologias que circulam nos veículos de comunicação e que, de certa maneira, formatam nosso modo de pensar e estreitam a capacidade de ampliar a visão.

Muitas vezes tenho a impressão de que mais do que o valor das coisas em si mesmas, hoje importa o modo como “eu” as vejo. Como seria útil repropor o que o filósofo Husserl reclamava na sua fenomenologia: “é preciso voltar às coisas mesmas”. Elas falam por si mesmas, têm consistência, natureza concreta, de tal forma que as ciências naturais apostam nisso e, por isso, podem existir.

Não quero com isso menosprezar a importância da hermenêutica e da interpretação que cada geração pode atribuir a fatos e realidades, mas, para ser honesto, é preciso sempre partir do que as coisas são em si mesmas.

Peço desculpas ao caro leitor se essa reflexão traz um pouco da aridez do pensamento filosófico, mas convém que, pelo menos, desconfiemos do fato de que importe mais interpretar do que contemplar a realidade. As consequências estão aí. Quando pensamos, por exemplo, que a criação pode ser abordada só a partir de alguns interesses privados, não demora recebermos uma resposta dela mesma, uma reação de quem reclama os direitos usurpados, gerando tanto sofrimento.

Acabei entrando por esses caminhos para ressaltar o valor desta data e a importância da maternidade e da filiação, em si mesmas profundamente conectadas. Falamos da maternidade a partir da filiação, ou seja, falamos da mãe e da sua importância na família, pelo que experimentamos como filhos e filhas. A realidade humana é profundamente relacional. De fato, quando uma pessoa perde essa capacidade, experimenta tremendo desconforto e insegurança.

Partindo para o concreto da vida cotidiana, faz-se sempre necessário dar valor a essa relação que nos explica. Ser filho é uma dádiva e uma tarefa. Um dom que pede nossa responsabilidade. A filiação fala de um vínculo vital, dele depende uma profunda identificação com a própria humanidade de cada um. A mãe tem a graça de nos humanizar, somos seres humanos pelo vínculo. Viver essa relação requer resposta de amor. Ao amor que se recebe, responde-se com mais amor em troca e, desse modo, vai se construindo a humanidade que somos.

O Dia das Mães nos oferece oportunidade de expressar essa gratidão através de pequenos detalhes àquela que, de certa forma, explica e sustenta a nossa humanidade. Feliz Dia das Mães!

*Dom Gilson é carioca, nascido no Méier e criado em Mendes no sul fluminense. Fez parte do clero de Petrópolis, estudou em Roma e foi bispo auxiliar de Salvador (BA). Nomeado pelo Papa Francisco em 27 de junho de 2018, tornou-se o 6º bispo da Diocese de Nova Iguaçu. Em 2018, durante a 57ª Assembleia Geral da CNBB, foi eleito pelos bispos do Rio de Janeiro como Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.

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Diversos, Dom Gilson Andrade

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