Lupi luta para ficar na Previdência, mas desgaste só aumenta

*Luiz Carlos Azedo

Num único ato, o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) desbloqueou descontos não autorizados nas folhas de pagamento de quase 34,5 mil aposentados

Júlio César casou-se com Pompeia em 67 a.C., depois de ter servido na Hispânia, já viúvo de sua primeira mulher, Cornélia, que morrera no parto de um filho natimorto. Em 63 a.C., César foi eleito pontífice máximo (pontifex maximus), o sumo-sacerdote da religião oficial romana.

No ano seguinte, na sua residência na Via Sacra, realizou um festival em homenagem à Bona Dea (“Boa Deusa”), no qual homem nenhum poderia participar, em sua casa. Entretanto, um jovem patrício chamado Públio Clódio Pulcro entrou na festa disfarçado de mulher, supostamente com o objetivo de seduzir Pompeia. Ele foi preso e processado por sacrilégio. Como César não apresentou nenhuma evidência contra Clódio, ele acabou inocentado.

Mesmo assim, César se divorciou de Pompeia: “Minha esposa não deve estar nem sob suspeita”, justificou. Vem daí o provérbio famoso: “A mulher de César não basta ser honesta, deve parecer honesta”.

É o caso do ministro da Previdência, Carlos Lupi, presidente do PDT, cujo desgaste à frente da pasta somente aumenta, em razão do escândalo bilionário dos descontos feitos pelo INSS em aposentadorias e pensões, sem autorização de seus segurados.

A Polícia Federal e a Controladoria-Geral da União (CGU), que realizaram a Operação Sem Desconto para investigar o esquema, estimam que os desvios com as chamadas “mensalidades associativas” de sindicatos e associações de aposentados podem chegar a R$ 6,3 bilhões de aposentadorias e pensões.

Lupi admitiu que houve demora na investigação de denúncias de fraudes, porém, alega ter determinado a apuração dos fatos tão logo tomou conhecimento. “Em junho de 2023, se começou, dentro do INSS, uma autarquia independente, a se fazer a verificação de todas as denúncias apresentadas, que não era a primeira vez”, disse ontem, na reunião do Conselho Nacional da Previdência Social (CNPS), em Brasília.

Leia também: Lupi reconhece demora para agir contra fraudes

A situação de Lupi se complica a cada dia, por causa do crescente desgaste político do governo com os aposentados e pensionistas. Além de prejudicar uma base eleitoral que sempre votou majoritariamente no presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o escândalo pode ser muito corrosivo para a imagem do governo, pois os fantasmas do mensalão e do escândalo da Petrobras — ou seja, da Operação Lava-Jato — rondam o Palácio do Planalto.

As falcatruas começaram antes do governo lula, mas ganharam escala na gestão de Lupi: dos R$ 6, 3 bilhões recebidos por 11 entidades citadas pela PF até agora, R$ 1,64 bilhão foram descontados em 2023; R$ 3,39 bilhões, em 2024 (alta de 106,1%); e R$ 906,19 milhões apenas no primeiro trimestre deste ano, quando a casa caiu.
Decisão política

Descontos no atacado

Responsável pela indicação de Alessandro Stefanutto, que foi afastado e demitido da presidência do INSS, na semana passada, após a operação da PF em conjunto com a CGU, Lupi tomou conhecimento dos descontos na reunião do CNPS de 12 de junho de 2023. Stefanutto estava à frente do INSS desde julho de 2023. A conselheira Tonia Galleti fez constar em ata que havia solicitado a inclusão da discussão sobre os acordos de cooperação técnica (ACTs) das entidades que têm desconto de mensalidade junto ao INSS na reunião

Leia ainda: Após operação, presidente do INSS é afastado do cargo

Se Galleti fosse atendida, o escândalo teria vindo à luz, porque a conselheira solicitou que fossem apresentadas a quantidade de entidades que possuem ACTs com o INSS, a curva de crescimento dos associados nos últimos 12 meses e uma proposta de regulamentação que trouxesse maior segurança aos trabalhadores, ao INSS e aos órgãos de controle.

A primeira medida concreta do INSS para tentar frear os golpes só ocorreu depois que a CGU e o Tribunal de Contas da União (TCU) registraram não conformidades na liberação dos descontos. Em março de 2024, o órgão publicou novas regras para que as associações fizessem os descontos nas aposentadorias. Uma auditoria do próprio INSS verificou que 98,3% dos mais de 35 mil descontos autorizados de uma só vez não tinham a anuência do aposentado.

Num único ato, o INSS desbloqueou descontos não autorizados nas folhas de pagamento de quase 34,5 mil aposentados. O desbloqueio “em lote” — feito em favor da Contag (Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura), em outubro de 2023 — obviamente foi uma decisão política. A entidade fez várias solicitações anteriores ao instituto para desbloquear o “lote” de descontos e reclamou da demora no atendimento. Entretanto, apenas 213 aposentados desse lote tinham, de fato, assinado requerimentos autorizando a operação.

A Contag nasceu em 1954, como União dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas do Brasil (ULTAB) para lutar pela reforma agrária e pelos direitos trabalhistas dos boias-frias. Sob a liderança de Lindolfo Silva, seu fundador, em 1963 passou a se chamar Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura. Após o golpe militar de 1964, o líder sindical teve os direitos políticos cassados e foi para o exílio. Voltou ao Brasil após a anistia de 1979. Deve estar se revirando no túmulo.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense.

Nas entrelinhas: todas as colunas no Blog do Azedo

Compartilhe:

#Aposentados#Descontos#Lupi#Pensionistas#Previdência#Sindicatos

Compartilhe
Publicidade
Veja também