Após pedido do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, diante da disparada do dólar, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, cancelou a viagem que faria à Europa e vai se dedicar à agenda de corte de gastos. Ele se reúne hoje com Lula e com o ministro da Casa Civil, Rui Costa, para tratar do assunto.
Um dos pontos que será discutido é uma forma de enquadrar certas despesas obrigatórias no limite de crescimento de gastos previsto no arcabouço fiscal, de até 2,5% acima da inflação. Segundo fontes, porém, despesas com Previdência devem ficar fora desse limite. O presidente Lula ainda avalia se o Benefício de Prestação Continuada (BPC), pago a idosos e pessoas com deficiência de baixa renda, entrará nessa conta.
Mesmo que o benefício não seja enquadrado no limite de despesas, um projeto com novas regras para sua concessão e manutenção está sendo elaborado, com exigências de prova de vida, reconhecimento facial e biometria. O objetivo é evitar fraudes. Também está sob análise aumentar de 30% para 60% a parcela do Fundeb que conta para o piso de gastos com educação. Devem entrar no piso emendas parlamentares para o setor e o programa Pé-de-Meia.
Como O GLOBO mostrou na semana passada, na lista de alívio nas despesas obrigatórias também está a desobrigação de execução dos recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, que chegarão a R$ 10 bilhões em 2025. ProAgro e seguro-defeso também deixariam de ser despesas obrigatórias. Além disso, mudanças no seguro-desemprego e no abono salarial do PIS/Pasep estão sendo considerada.
Haddad tinha embarque marcado para a Europa na tarde de hoje e voltaria apenas no sábado. Ele passaria por Paris (França), Londres (Reino Unido), Berlim (Alemanha) e Bruxelas (Bélgica), onde se reuniria com autoridades e conversaria com investidores.
Há duas semanas, a equipe econômica vem intensificando as discussões sobre o pacote de corte de gastos, depois de sinalizar que ele seria anunciado após as eleições de outubro. Por conta da incerteza quanto às propostas e a própria ida do ministro para a Europa, o dólar encerrou a sexta-feira valendo quase R$ 5,87, maior patamar desde maio de 2020. No ano, a moeda acumula valorização de 21%.
Volatilidade do câmbio
O ministro já vem buscando apoio de parlamentares para aprovação do pacote de gastos. Em encontro com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), e senadores, na última quinta-feira, defendeu medidas para facilitar a gestão das despesas do governo de forma a estabilizar a dívida e fortalecer o arcabouço fiscal.
Haddad já disse que será necessária uma proposta de Emenda à Constituição (PEC) para avançar com as propostas. Para isso, o governo deve aproveitar uma PEC que prorroga um mecanismo chamado de Desvinculação de Receitas da União (DRU), já em tramitação, para “acoplar” as ações de corte de gastos.
Em seu formato atual, a DRU permite que o governo gaste livremente 30% das receitas com contribuições e taxas vinculadas a despesas e órgãos. O mecanismo existe há décadas e vem sendo prorrogado porque ajuda na gestão do caixa do governo — embora não seja, hoje, um instrumento para cortar gastos.
Ontem, após visitar a sala de monitoramento do Enem, Lula foi perguntado sobre o corte de gastos e o cancelamento da viagem de Haddad, mas se negou a responder:
— Não vou discutir nenhum assunto que não seja educação (…). Nem mais nada. Nem EUA, nem Venezuela, nem Nicarágua, nem Rússia, nem China — disse Lula, que também foi indagado sobre a crise entre Brasil e Venezuela.
Para especialistas, o cancelamento da viagem de Haddad representa uma sinalização positiva sobre a preocupação do governo com o corte de gastos, mas coloca pressão para que o ministro entregue um pacote fiscal coerente com as necessidades do país.
— Não adianta nada ter cancelado a viagem e não apresentar nada. O mercado está sedento por informações sobre a questão fiscal, até porque ele precisa dessa previsibilidade. É importante que o corte de gastos seja alinhado com as expectativas e que tenha coerência com 2024 e, principalmente, com 2025. Sem isso, o mercado pode se estressar ainda mais. Não dá para descartar a possibilidade de um dólar a R$ 6 — afirma Jefferson Laatus, estrategista-chefe do Grupo Laatus.
Os analistas se dividem quanto ao comportamento do dólar no curto prazo, em meio às eleições americanas. Para o economista Istvan Kasznar, da Fundação Getulio Vargas, pode haver mais volatilidade.
— O dólar pode subir, e já está em alta não apenas por este motivo (adiamento do corte de gastos), mas pela insegurança institucional e pelas evidências de um governo que se fragilizou demais com as últimas eleições. É provável que o mercado interprete essa sinalização como instabilidade, e a volatilidade cambial deverá continuar.
Ele reconhece que o cancelamento da viagem de Haddad indica mudança de prioridade, mas ressalta que é preciso ter clareza sobre a reforma fiscal. Já para Carlos Braga Monteiro, CEO do Grupo Studio, um compromisso concreto do governo com a agenda de corte de gastos pode aliviar a pressão sobre a moeda americana.
— Ao permanecer no Brasil, Haddad transmite sinal de prioridade para temas econômicos domésticos, o que pode gerar um efeito positivo imediato sobre o dólar, reduzindo a volatilidade da moeda.
Com informações de O Globo