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Lula não pode contar com a Câmara para tirar dos ricos e dar aos pobres

*Luiz Carlos Azedo

O presidente disse que não foi eleito para criar “benefício para rico” e defendeu os gastos sociais feitos pelo governo. Rebateu críticas de “empresários” e “banqueiros”

Popularizada nos anos 1970 pelos economistas neoliberais, a “Curva de Laffer” é uma tese do economista norte-americano Arthur Laffer, que lhe empresta o nome, segundo a qual a redução de impostos é uma forma de aumentar a arrecadação. Foi adotada pelo presidente Ronald Reagan. Laffer fez parte de seu governo e é considerado o pai da corrente econômica que estuda os impactos causados pela diminuição da carga tributária na inflação, emprego, produtividade etc.

De acordo com sua teoria, os consumidores se beneficiam de uma maior oferta de bens e serviços a preços mais baixos e as oportunidades de emprego aumentam. Já com o imposto excessivo, as pessoas evitam pagar (evasão, sonegação) ou a economia desacelera, o que provoca queda de arrecadação. Usando cálculos matemáticos, Laffer estabeleceu um ponto de máxima arrecadação: acima disso, aumentar tributos provocaria queda de receita.

O Brasil enfrenta uma crise fiscal estrutural, caracterizada por alta carga tributária, grande volume de renúncias fiscais, crescimento contínuo das despesas obrigatórias (previdência, funcionalismo, saúde, educação) e dificuldade de elevar a arrecadação sem frear o crescimento ou aumentar a desigualdade. Esse cenário macroeconômico é quase um consenso nacional.

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Na teoria, impostos em cascata e sobre produção podem, sim, provocar redução de base tributária; reduzir impostos para os serviços e a indústria pode ampliar a arrecadação. Entretanto, essas conclusões não resolvem o problema do gasto obrigatório crescente, inclusive com emendas parlamentares. Também não se pode afirmar que o Brasil está acima do teto da curva de Laffer. Ou seja, nada garante que baixar ou congelar os tributos vá aumentar a arrecadação, porque a informalidade e a evasão fiscal decorrem muito mais das desigualdades e complexidade da nossa realidade econômica do que nível das alíquotas de impostos.

Nesse cenário, o governo Lula tenta tributar setores beneficiados por isenções fiscais que não fazem mais sentido, combater a sonegação e a elisão, mas a questão fiscal é mais complexa, depende da implantação da reforma tributária, do redirecionamento das despesas públicas e da melhoria da qualidade da administração pública. É aí que sai a equipe econômica e entram os políticos.

Negócios ou bem comum

O presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), ontem, anunciou que a porá em votação nos próximos dias um pedido de urgência para derrubar o novo decreto do governo federal que trata do aumento do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). A decisão foi tomada durante reunião de líderes partidários. “Conforme tenho dito nos últimos dias, o clima na Câmara não é favorável para o aumento de impostos com objetivo arrecadatório para resolver nossos problemas fiscais”, disse.

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O novo decreto do IOF foi publicado na quarta-feira pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, depois de uma negociação entre o próprio Motta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União-AP), e o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O novo decreto também prevê aumento do tributo, mas em menor escala. Houve, porém, uma forte reação dos setores afetados pelas novas medidas, entre os quais o agronegócio, a construção civil e as bets. Todos os setores que perderiam isenções fiscais fizeram lobby para pressionar o Congresso. A resistência da oposição já era esperada, mas, a do Centrão, nem tanto. Na verdade, Motta deu um passo maior do que as pernas e depois teve que voltar atrás no acordo com equipe econômica.

Em resposta, em Mariana (MG), num evento sobre o Acordo do Rio Doce, o presidente Lula disse que não foi eleito para criar “benefício para rico” e defendeu os gastos sociais feitos pelo governo. Rebateu críticas de “empresários” e “banqueiros” que desejam redução de despesas. “Vocês sabem quanto que nós gastamos com ricos? Vocês sabem quantos bilhões a gente dá de isenção para os ricos desse país que não pagam impostos? R$ 860 bilhões. É quatro vezes o Bolsa Família. O que a gente dá para eles é investimento, o que a gente dá para vocês é gasto”, exemplificou.

Mas Lula precisa combinar com deputados e senadores. Nos bastidores do Congresso, pode-se dizer que a “política como negócio” engoliu a “política como bem comum”. Os dois conceitos são do filósofo e sociólogo alemão Max Weber, numa palestra célebre de 1919: “A política como vocação” (Politik als Beruf). Ele apresenta essa diferenciação como parte de uma análise mais ampla da ética e das vocações na sociedade. A política do bem comum é pautada pelo idealismo, voltada ao interesse público e à responsabilidade. O político age comprometido com causas coletivas, guiado por uma vocação no sentido quase religioso ou pela ética da responsabilidade.

A política como negócio, para Weber, porém, também faz parte do jogo, é inerente à democracia e ao capitalismo. É praticada como forma de ganhar a vida, buscar poder ou benefícios pessoais, faz da política uma profissão lucrativa ou meio de acesso a privilégios. Sua ética é determinada pelos objetivos, pela convicção, e não pela legitimidade dos meios. Hoje, como se sabe, a política como negócio é amplamente majoritária no Congresso, mas somente a turma do agronegócio põe a cara na reta e assume essa condição. A maioria dos nossos políticos diz que defende o bem comum. Será?

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense.

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