Apontado como um homens de maior confiança do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no governo federal, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT), foi candidato à Presidência da República em 2018 e é sempre apontado como possível postulante à sucessão de Lula nas eleições futuras.
No entanto, segundo o chefe da equipe econômica do atual governo, caberá a Lula definir os rumos de sua própria sucessão — o mais importante, diz ele, é a esquerda ter clareza de que precisa fazer uma “reflexão” e apontar um “projeto de futuro” ao país.
Em entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo, nesta quinta-feira (17), Haddad afirma que a extrema-direita ocupou um espaço de protagonismo nos corações e mentes de parte da população – justamente por anunciar um “horizonte distópico” que guia as pessoas, na falta de um “horizonte utópico”.
“Em 2008, assistimos a uma crise [financeira] do neoliberalismo, e a extrema-direita começou a avançar no mundo inteiro. Seu pensamento começou a se impor. A segunda razão para que isso acontecesse é que a esquerda ainda estava saudosa de estruturas do século 20 que tinham feito água nos anos 1980. O sistema soviético, o nacional-desenvolvimentismo e a própria social-democracia europeia, que eram as três grandes estruturas com as quais partes da esquerda dialogavam, tinham desaparecido, entrado em colapso quase”, analisa Haddad.
“Sobrou para a extrema-direita, que sempre cresce em momentos de crise sistêmica, sobretudo quando a esquerda não se planeja para esse momento, como foi o caso. A esquerda não estava preparada em 2008, com um programa renovado, com um sonho renovado”, reconhece o ministro.
“Reflexão”
Segundo Haddad, “a bem da verdade, a esquerda ainda não está dialogando com um projeto de futuro”. “Quando você não tem um sonho, um horizonte utópico que guia as pessoas, você tem um horizonte distópico. E a extrema direita é distópica”, explica.
“Você precisa se reapresentar para a sociedade. Eu falei de três estruturas que tiveram pensadores associados a elas. Havia o pessoal mais radical do Partido Comunista. Mas havia projetos sem revolução também. O Estado brasileiro desenvolvia a sua economia, a América Latina crescia, depois isso migrou para a Ásia, a social democracia funcionava”, prossegue o petista.
“Mesmo sabendo de todos os problemas desses três modelos, eles eram promessas. E a promessa sempre fez parte da política. A política é promessa. É projeto.”
De acordo com o ministro da Fazenda, “o mundo está devendo para si mesmo horizontes emancipatórios”. “E, quando isso acontece, e já aconteceu cem anos atrás, a distopia toma conta. Os clowns [palhaços] tomam conta do picadeiro. E começam a surgir esses movimentos que assustam. E nos perguntamos: ‘De onde saiu essa pessoa? De onde saiu esse sujeito? Como é que essa pessoa tem 30% dos votos?’”, questiona.
“É preciso fazer uma reflexão séria. E eu penso que a esquerda está se devendo a isso. Mais formulação teórica, mais aprendizado, mais ousadia na reflexão sobre o que é possível fazer.”
Haddad complementa: “Se a esquerda não se renovar, não se reapresentar, não se reformular, não expandir os seus horizontes, não oxigenar o debate político, não convencer que tem um horizonte de emancipação das pessoas, de mais liberdade, de mais igualdade, ela vai sofrer os efeitos da atual crise política”.
Extremismo
Na entrevista, Fernando Haddad chama atenção para o avanço da extrema-direita no Brasil e no mundo e afirma que, hoje, a chamada terceira via “é uma fantasia”.
“Eu não tenho essa ilusão. A construção de terceira via é uma fantasia que já ocorreu outras vezes. Recebi hoje a capa de uma revista que mostra os candidatos à Presidência da República da direita. São todos bolsonaristas: Michelle Bolsonaro, Tarcísio [de Freitas], [Romeu] Zema, [Ronaldo] Caiado”, diz Haddad.
“A pessoa come de garfo e faca, conversa com você, não te xinga. Mas qual é o projeto dela? É cassar ministro do Supremo? É vender patrimônio público como foi feito com a Sabesp e com a Eletrobras? É cortar direitos sociais? É colocar a democracia em xeque? É questionar voto em urna eletrônica? É defender escola cívico-militar? É proibir educação ambiental nas escolas? É questionar vacina? Para mim, é extremismo”, opina o ministro.
“E tudo isso voltou na eleição municipal de 2024. O prefeito de São Paulo [Ricardo Nunes] está questionando a vacina e liderando as pesquisas. O modo bem educado, o verniz, não resolve o problema do extremismo.”
Pós-Lula
O ministro da Fazenda também comentou o processo de sucessão de Lula, que deve se candidatar a um novo mandato em 2026 – possivelmente seu último ato na cena política do país.
“O Lula estava preparando a sucessão dele. Primeiro, com o [ex-ministro da Fazenda Antonio] Palocci. Aconteceu o que aconteceu [ele foi investigado e preso por corrupção e deixou a política]. O [ex-governador de Pernambuco] Eduardo Campos era uma aposta do Lula. Aconteceu o que aconteceu [ele morreu em um acidente de avião em 2014]. Teve depois o impeachment da Dilma [Rousseff]. Você não desenha a história. Tem o imprevisto, o acaso. Tem muita coisa, né?”, afirmou.