*Luiz Carlos Azedo
O ajuste é de R$ 52 bilhões, mesmo assim, o déficit das contas públicas deve chegar a R$ 76,6 bilhões ( 0,6% do PIB). O ministro da Fazenda apanha dos dois lados.
No seu artigo publicado na Carta Capital n° 1363 (datada de 28 de maio de 2025), intitulado Absurdos da ‘ciência’ econômica, o economista Luiz Gonzaga Belluzzo discorre sobre as limitações dos modelos macroeconômicos contemporâneos. Parte de uma definição de John Mayard Keynes – autor da Teoria geral do emprego, do juro e da moeda (Saraiva), de1836, sua obra prima – sobre o perfil ideal dos economistas.
Keynes virou do avesso a teoria clássica do emprego de “A riqueza das nações” (Nova Fronteira), de Adam Smith, obra publicada em 1776, ao analisar a Grande Depressão causada pelo crack da Bolsa de Nova York de 1929. O consenso da época era de que a economia chegaria espontaneamente e naturalmente ao equilíbrio. E quem quisesse trabalhar encontraria emprego, bastava aceitar salários mais baixos. Keynes inverteu esse modelo clássico de causa e efeito.
Para a teoria clássica, o desemprego era uma escolha, muitas vezes causada pelo alcoolismo e/ou pelo jogo. Devido à prolongada recessão, ao contrário, Keynes concluiu que o desemprego era involuntário, porque a ausência de demanda aprisionava empresas e trabalhadores num círculo vicioso de subprodução e desemprego. A solução, segundo ele, era os governos gastarem mais, para investir na economia, de modo que a procura global dos produtos crescesse. Isso estimularia as empresas a admitirem mais trabalhadores.
À medida que os preços subissem, os salários reais cairiam, fazendo a economia voltar ao pleno emprego. Keynes não se importava como o Estado gastaria: “o Tesouro poderia encher garrafas usadas com papel-moeda e as enterrar”. Para ele, bastava “deixar à iniciativa privada, de acordo com os bem experimentados princípios do laissez-faire, a tarefa de desenterrar novamente as notas”. Desde que o governo injetasse demanda na economia, todo o sistema começaria a se recuperar.
Seu maior adversário foi o economista americano Robert Lucas. Indagado sobre como definiria um contador desempregado que dirigia um táxi por falta de emprego, respondeu: “eu o chamaria de taxista”. As teses de Keynes caíram em desgraça nos anos 1970 (quando as economias europeias enfrentaram problemas e surgiram as políticas de dura austeridade fiscal), mas por aqui estão vivíssimas.
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Crítico dos seus colegas liberais, Beluzzo recorreu a Keynes para elencar os requisitos de um bom economista, “que deve combinar os talentos de matemático, historiador, estadista e filósofo (na medida certa)”. Mais ainda: “Deve entender os aspectos simbólicos e falar com palavras correntes. Deve ser capaz de integrar o particular quando se refere ao geral e tocar o abstrato e o concreto com o mesmo voo do
pensamento. Deve estudar o presente à luz do passado e tendo em vista o futuro. Nenhuma parte da natureza do homem deve ficar fora da sua análise. Deve ser simultaneamente desinteressado e pragmático: estar fora da realidade e ser incorruptível como um artista, estando, embora noutras ocasiões, tão perto da terra como um político”.
Fogo amigo
Filiado ao Partido dos Trabalhadores (PT), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é professor de ciência política da Universidade de São Paulo (USP), na qual se formou em direito, mestre em economia e doutor em filosofia. Trabalhou como analista de investimento no Unibanco, foi subsecretário de Finanças e Desenvolvimento Econômico na gestão da prefeita Marta Suplicy (PT). Elaborou o projeto das parcerias público-privadas (PPPs) no Brasil, na equipe do então ministro do Planejamento, Guido Mantega (2003–2004). Foi ministro da Educação de 2005 a 2012, nos governos Lula e Dilma Rousseff, e prefeito de São Paulo de 2013 a 2016.
Seu perfil atende a quase todos os requisitos de Keynes, mas é aí que mora o problema. É visto como um ministro desenvolvimentista pelo mercado, que gostaria que adotasse uma política mais liberal. No fundo, é um social-liberal, que também não atende às exigências dos desenvolvimentistas do PT. Por isso, vive sob dupla desconfiança: do mercado financeiro, que marca em cima suas decisões, e dos militantes petistas, que gostariam de uma política mais intervencionista e promovem o chamado “fogo amigo”, responsabilizando-o pela queda de popularidade do governo.
O pacote de medidas fiscais anunciado na quinta-feira é uma síntese dessa contradição: um congelamento de gastos de R$ 31,3 bilhões, que atende aos analistas do mercado, e um ganho de arrecadação (esperado) de R$ 20,5 bilhões, com mudanças no imposto sobre Operações Financeiras (IOF), que desagrada os rentistas. O ajuste é de quase R$ 52 bilhões, mesmo assim, o déficit das contas públicas deve chegar a R$ 76,6 bilhões, o que representaria 0,6% do PIB. Resultado: Haddad apanha dos dois lados.
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Deveria ser de um lado só, o da oposição, mas Haddad é refém da “cultura do rechaço” do PT e da “economia do afeto” do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que forjam a alma do petismo e do lulismo, respectivamente, segundo o historiador Alberto Aggio, no livro “A construção da democracia no Brasil -1985-2025” (Fundação Astrojildo Pereira/Annablume). Esses conceitos merecem cada qual uma coluna, mas aqui são autoexplicativos: o PT não desencarna de sua oposição ao Plano Real, que completou 30 anos, em especial ao ajuste fiscal; Lula não abre mão da “economia do afeto”, principalmente da geração de emprego e transferência de renda, o eixo de sua identificação com os mais pobres, com a qual pretende se reeleger à Presidência.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista,colunista do Correio Braziliense.
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