Diferentes órgãos do governo dos Estados Unidos monitoraram o presidente Lula (PT) com a produção de ao menos 819 documentos, que somam 3.300 páginas de registros.
As informações foram fornecidas pelo governo estadunidense ao jornalista e escritor Fernando Morais, biógrafo do presidente. Os dados se referem ao período de 1966 a 2019, ano em que os pedidos foram protocolados.
A maior parte foi produzida pela CIA, a agência de inteligência dos estadunidenses. A CIA mantém 613 documentos sobre Lula, em um total de 2.000 páginas.
Os registros dão conta da relação de Lula com a ex-presidente Dilma Rousseff (PT), com autoridades do Oriente Médio e da China, além de planos militares brasileiros e a produção da Petrobras. Mas os requerimentos do escritor compreendem cinco décadas, desde a época da ditadura militar, quando o petista ascendeu no movimento sindical, até pouco após sua prisão, ocorrida em 2018.
O escritor ainda não teve acesso à íntegra dos documentos. Não há nesse acervo informações que teriam sido colhidas no atual mandato do presidente, iniciado em 2023.
Morais contou com a ajuda do escritório de advocacia Pogust Goodhead para requerer as informações a todas as agências dos EUA, por meio da Lei de Acesso à Informação dos EUA (Freedom of Interaction Act). Os primeiros dados chegaram agora, por meio do Departamento de Defesa.
“O presidente ainda estava preso quando consegui procurações para recolher em nome dele todos os registros existentes nas agências. Tem agência que, obviamente, não tinha nada, tipo a que cuida de entrada ilegal de alimento. Mas pedi de todas”, disse Morais.
O jornalista e escritor lançou em 2021 o primeiro volume da biografia de Lula. Trabalha agora no segundo volume da obra.
Morais e seus advogados solicitaram relatórios, levantamentos, emails, cartas, minutas de reuniões, registros telefônicos e demais documentos produzidos pelos órgãos de inteligência americanos.
“É preciso jogar luz na relação entre os dois maiores países do continente americano. Esse é um direito do nosso cliente Fernando Morais e de todos os brasileiros. Estamos confiantes de que as autoridades norte-americanas atenderão nosso pedido”, disse Tom Goodhead, sócio-administrador global do Pogust Goodhead.
Apesar de as solicitações compreenderem o período a partir de 1966, ainda não há informação de quando seria o primeiro registro relacionado a Lula em órgãos dos EUA.
Até o momento, foram encontrados 613 documentos da CIA, 111 do Departamento de Estado, 49 da Agência de Inteligência da Defesa, 27 do Departamento de Defesa, 8 do Exército Sul dos Estados Unidos, unidade de apoio da força armada estadunidense, e 1 do Comando Cibernético do Exército, braço militar de operações e informação digital.
O grupo ainda aguarda retorno do FBI (a polícia federal dos EUA), do NSA (Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos) e da Rede de Combate a Crimes Financeiros (Financial Crimes Enforcement Network – FinCEN). O prazo é de 20 dias úteis, prorrogáveis por mais 20, para informar se vão ou não fornecer os dados.
Morais, que já trabalhou com dados dos EUA para o livro “Olga”, que foi lançado em 1985 contando a história da judia e comunista Olga Benário Prestes, disse que o governo estadunidense veta trechos que considera trazer riscos à segurança de Estado.
“Sabemos que o governo norte-americano analisou de perto o cenário político brasileiro nas últimas décadas, e o Lula é um dos personagens mais marcantes e importantes da história da América Latina”, disse o escritor.
Quando o material estiver pronto, ele terá de buscar nos Estados Unidos a íntegra em formato físico.
Espionagem
Em 2013, o programa Fantástico, da TV Globo, noticiou que a então presidente Dilma foi alvo de espionagem da NSA. Documentos secretos que baseiam as denúncias foram obtidos pelo jornalista Gleen Greenwald com o ex-técnico da agência Edward Snowden.
Dois anos depois, o portal do WikiLeaks divulgou informações confidenciais da NSA, revelando nova espionagem contra Dilma, assessores e ministros.
Ao todo, 29 telefones de membros e ex-integrantes do governo foram grampeados – no início do primeiro mandato de Dilma – pela agência estadunidense, como o do ex-chefe da Casa Civil Antonio Palocci o então secretário-executivo da Fazenda, Nelson Barbosa, o ex-chanceler Luiz Alberto Figueiredo Machado, e o ex-chefe do GSI (Gabinete de Segurança Institucional), general José Elito Carvalho Siqueira.
Os relatórios apontavam, à época, que até uma secretária e uma assistente de Dilma também tiveram telefones grampeados.
A expectativa de Morais com os pedidos aos Estados Unidos é de que possa usar as informações na segunda parte da biografia de Lula, ainda sem data de lançamento.
“Enrolaram muito, e como pedi uma quantidade grande, se sentiram no direito de atrasar. Tanto que minha ideia é que o material entrasse no volume 1 do livro, mas não mandaram. Entrará no volume 2, então”, completou.
O primeiro volume, intitulado “Lula”, já foi traduzido para o chinês, o inglês e o espanhol.
O recorte estabelecido para pedido de informações teve início em 1966 porque é quando Lula ingressa como torneiro mecânico em uma fábrica, no ABC Paulista, e tem início seu envolvimento com o sindicalismo, fato que marca seu ingresso na vida política brasileira.
Lula viria a se tornar presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo do Campo e Diadema, em 1975, posição em que liderou greves três anos depois. Neste período, Lula também ajudou a fundar o PT e tornou-se o primeiro presidente da sigla.
Com informações da Folha de S. Paulo.