Furor tarifário faz de Trump passageiro do passado

*Luiz Carlos Azedo

Trump também ameaçou taxar em 100% os países do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, se quiserem “brincar com o dólar”

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, determinou tarifas recíprocas a países que cobram taxas de importação de produtos americanos. Os memorandos assinados nesta quinta-feira, porém, são menos formais do que o “tarifaço” contra parceiros comerciais, entre os quais o Canadá, o México e o Brasil, cujo aço e alumínio passarão a pagar 25% de imposto para entrar no mercado norte-americano. Os principais alvos são países com os quais os EUA têm deficit na balança comercial — ou seja, gastam mais com importações do que recebem com exportações. Mas esse não é o caso do Brasil, que importa mais do que exporta.

Intitulado Plano Justo e Recíproco, o memorando protecionista de Trump é uma tentativa de fazer a roda da história voltar para trás. Parte da ideia de que os EUA estão sendo ultrapassados pela China por causa do livre-comércio e da globalização, dos quais a União Europeia e outros países, como os já citados, se beneficiaram muito mais. Entretanto, foram os norte-americanos que transferiram as fábricas para a China em busca de mão de obra mais barata. Não contavam com a possibilidade de os chineses ultrapassarem o estágio de produção de bens de consumo de baixa composição tecnológica e transitarem para a economia do conhecimento e da alta tecnologia.

O comunicado da Casa Branca também adverte a União Europeia, que pode virar marisco na disputa entre os EUA e a China. Trump se queixa de que os europeus exportam crustáceos e moluscos para os Estados Unidos, mas proíbem importações dos mariscos de 48 estados americanos. Além disso, impõem uma tarifa de 10% sobre carros importados, enquanto os EUA cobram apenas 2,5%.

Trump também ameaçou taxar em 100% os países do Brics — Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul —, se quiserem “brincar com o dólar”. É que o grupo discute a possibilidade de criar uma moeda alternativa para suas trocas comerciais. Atualmente, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva preside o Brics, cuja próxima reunião será no Brasil. Por óbvio, a volta do protecionismo norte-americano será o tema central do encontro. Depois do aço e do alumínio, o etanol brasileiro também entrou na mira de Trump.

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O “tarifaço” do presidente dos EUA pode causar uma guerra comercial de grande escala e desajustar a economia global, a começar pela inflação norte-americana. As tarifas aumentam o preço dos insumos básicos e espalham reajustes por toda a cadeia produtiva. O Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, terá dificuldade de atingir a meta de 2% de inflação. O índice de preços ao consumidor voltou para a casa dos 3% em janeiro, com alta mensal de 0,5%.

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Os juros dos EUA já estão na faixa de 4,25% a 4,50%. Entretanto, isso atrai investidores e valoriza o dólar frente a outras moedas. O cenário pode afetar o Brasil, porque uma taxa mais alta faz os títulos públicos norte-americanos renderem mais. Isso atrai investidores, que levam recursos para os EUA. Por aqui, o dólar voltou a subir nesta quinta-feira.

Razões ideológicas

As tarifas recíprocas são taxas aplicadas entre países ou empresas de forma equivalente. O conceito envolve a aplicação de tarifas idênticas ou proporcionais entre as partes para garantir equilíbrio e evitar distorções competitivas. O protecionismo é uma estratégia recorrente na história dos EUA. No caso de Trump, parte de uma visão ideológica que mitifica o passado, como sintetiza o slogan Make America Great Again (“Torne a América grande novamente”). Desde o século XIX, o país oscilou entre políticas protecionistas e períodos de maior abertura comercial.

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Em 1816, a primeira grande tarifa protecionista foi criada para barrar a concorrência britânica. A “Tarifa das Abominações” (1828), que sobretaxou todos os produtos europeus, favoreceu o Norte industrializado, porém prejudicou as exportações de algodão do Sul. Durante a Guerra Civil (1861-1865), a União manteve tarifas altas para financiar o Exército e proteger indústrias. A Tarifa McKinley, de 1890, também aumentou impostos sobre importações de forma generalizada, para incentivar a produção nacional. A Tarifa Dingley , sete anos depois, dobrou a aposta.

Somente em 1913, com a Tarifa Underwood, no governo Woodrow Wilson, houve uma abertura comercial. Entretanto, a Grande Depressão (1929) levou ao retorno do protecionismo. Mas o protecionismo extremo dos anos 1930, com a Tarifa Smoot-Hawley, para proteger empregos nos EUA, provocou retaliação de outros países, colapso do comércio global e agravamento da Grande Depressão. Após a guerra, os EUA deram uma guinada tarifária e lideraram a criação do GATT (Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio, 1947) para reduzir barreiras comerciais globais.

Nos anos 1980, o protecionismo estava de volta: o governo Reagan aplicou tarifas seletivas contra importações de eletrônicos e automóveis japoneses. O Acordo Nafta (1994), que criou uma zona de livre-comércio entre EUA, México e Canadá, era protecionista em relação aos demais países. Na crise do mercado imobiliário de 2008, também houve aumento de medidas protecionistas em setores estratégicos. No seu primeiro mandato, Trump (2017-2021) retomou um protecionismo agressivo, especialmente contra a China. Biden manteve algumas tarifas, mas buscava equilibrar protecionismo com alianças internacionais. Nada se compara, porém, ao que está acontecendo agora.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, é colunista do Correio Braziliense.

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# Protecionismo#China#Etanol#Europa#Tarifas#Trump

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