Neste quase um quarto de século, o número de favelas presentes nas cidades brasileiras mais que triplicou, saltando de cerca de 3,9 mil para mais de 12,3 mil, conforme os censos de 2000 e 2022, realizados pelo IBGE. Mais grave ainda, a população vivendo nesses assentamentos passou de 6 milhões para quase 16,5 milhões, um crescimento de cerca de 300%. Na prática, as favelas têm dado abrigo e endereço certo à também crescente e fortalecida desigualdade social.
No mesmo período de expansão das favelas, a população urbana brasileira aumentou pouco mais de 40 milhões de pessoas, evidenciando um freio no ritmo de crescimento, reflexo dos efeitos da transição demográfica. Isso representou um acréscimo de menos de 29% em relação aos 137,9 milhões de habitantes urbanos recenseados em 2000. Dá até para dizer que, de lá para cá, para cada quatro novos moradores das cidades, um passou a viver em favelas.
E isso considerando que, nesses 22 anos, foi implantado o programa Minha Casa Minha Vida (MCMV), com o objetivo de enfrentar a crise habitacional e reduzir a exclusão socioespacial dos mais pobres. Em 15 anos de existência, o programa entregou cerca de 8 milhões de moradias, mas não conseguiu suprir esse déficit, que ainda permanece na casa dos 5 milhões de unidades. Tampouco conseguiu conter a expansão das favelas. Sem contar os passivos urbanísticos gerados pelos conjuntos habitacionais mal localizados e frequentemente dominados pela criminalidade. Ainda assim, sem o MCMV, com todos os seus equívocos, os números revelados pelo censo de 2022 seriam bem piores.
Há questionamentos sobre a precisão desses números devido às alterações metodológicas promovidas pelo IBGE entre os últimos censos. No entanto, tentar desconsiderá-los seria um esforço inútil, uma vez que as favelas estão em alta, e os investimentos para integrá-las às cidades, seja por meio de urbanização qualificada ou pela produção de moradias destinadas aos segmentos mais pobres da população, têm sido insuficientes e irregulares. Infelizmente.
Isso leva à constatação de que as cidades brasileiras, principalmente as maiores e situadas em regiões metropolitanas, vêm assistindo a um aumento expressivo dos urbanisticamente excluídos. Tal cenário resulta em uma visível redução nos padrões de qualidade de vida ofertados à população como um todo, além de graves impactos no ambiente, comprometido pelas inconformidades sanitárias presentes nesses assentamentos precarizados.
Enquanto a população vivendo em favelas cresceu, neste quase quarto de século, a uma taxa de cerca de 6% ao ano, o PIB patinou em torno de 2%. Combinando essa discrepância com a distribuição desigual e injusta da renda gerada, não é difícil concluir que as favelas continuarão em viés de alta. Já as cidades…
*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade