Os passivos urbanísticos acumulados nas regiões metropolitanas brasileiras, especialmente aqueles localizados em favelas, loteamentos clandestinos ou irregulares e outras formas de ocupação informal, seguem desafiando os governos e continuam a crescer. Além de não conseguirem remediar esses problemas, as políticas públicas voltadas para essas áreas não têm sido suficientes para conter o surgimento de novos assentamentos em condições inadequadas e cada vez mais distantes e dispersos.
A conta não só não fecha, como promete permanecer no vermelho, se não for adotado um plano de contenção da expansão precarizada das cidades, em especial das médias, grandes e metropolitanas. O modelo de desenvolvimento urbano praticado na maioria das metrópoles brasileiras, com raríssimas exceções, é corrosivo e insustentável. Estressa a oferta de infraestrutura e serviços públicos disponíveis, elevando os custos dos investimentos necessários a atender uma demanda em permanente estado de espraiamento.
Além disso, esse padrão de desenvolvimento urbano baseado em ocupações precárias de baixa densidade também faz aumentar os custos de manutenção da infraestrutura e dos serviços básicos. Isso resulta em soluções insuficientes e de qualidade duvidosa, como os “gatos” de energia e de água e serviços de transporte improvisados, como vans e mototáxis, entre outras ofertas no estilo “quebra galho”. Com o agravante de que cada vez mais, essas alternativas são controladas pelo crime organizado ou pelas milícias.
A inflação, vivida no país até os anos 90 do século passado, tinha efeitos deletérios sobre a economia, com impactos mais acentuados e degradantes sobre a população mais pobre. Graças a um plano exitoso de combate às suas causas ela foi debelada. Da mesma forma, a urbanização extensiva e desordenada das grandes cidades, compromete o padrão de qualidade de vida urbana ofertado, especialmente para os setores mais vulneráveis da população.
Tal plano de contenção da expansão precarizada das cidades precisa enfrentar as razões que, ao longo dos anos, tem aumentado quantitativa e proporcionalmente o número de habitantes vivendo nessas condições. Montar essas equações não será fácil, nem tão pouco singular implementar as medidas indispensáveis a adoção de um novo modelo de desenvolvimento urbano no país. Além dos recursos regularmente disponíveis, será imprescindível a implantação de políticas de Estado capazes de atravessar duas ou três décadas de governos distintos.
Há muitas ideias e recomendações interessantes e com grande viabilidade de execução. O “X” da questão é organizá-las numa proposta efetiva, capaz de ser adotada concomitantemente pelos três níveis de governo, incluindo ações do legislativo e do judiciário. Somente assim a reprodução das cidades poderá se dar em condições minimamente dignas e sustentáveis para todos os cidadãos. Não será tarefa simples, mas não tenho dúvidas de ser ainda possível.
*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade