Estudo aponta que retorno do X no Brasil teve onda de fake news contra urnas eletrônicas

Derrota de Marçal no 1º turno em São Paulo “reciclou” desinformação sobre sistema eleitoral após desbloqueio da rede social, aponta levantamento do Instituto Democracia em Xeque

O desbloqueio da rede social X por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) na última terça-feira (8) foi seguido de uma onda de informações falsas contra as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral brasileiro, informa a coluna de Malu Gaspar, no jornal O Globo. A conclusão é de um estudo do Instituto Democracia em Xeque, que identificou ainda uma profusão de publicações na plataforma insinuando uma suposta fraude na apuração da eleição municipal de São Paulo que em prejuízo de Pablo Marçal (PRTB), que não avançou para o segundo turno por uma diferença de 56,8 mil votos em relação a Guilherme Boulos (PSOL).

O levantamento foi feito nas primeiras 48 horas após o desbloqueio do X a partir de ferramentas de escuta social, processo de monitoramento de mensagens online em diferentes plataformas acompanhado de uma análise qualitativa do conteúdo. Foram constatadas pelo menos 32 mil publicações referentes a urnas ou fraudes, o que, segundo os pesquisadores, é um montante expressivo para o recorte de um tema específico em uma plataforma como o X.

Neste período, os autores identificaram três narrativas falsas que prevaleceram na discussão sobre as eleições municipais: a de que os resultados foram fraudados como nas eleições de 2022 para tirar Marçal do segundo turno; a de que as urnas eletrônicas não são confiáveis e o voto impresso deve ser implementado até 2026; e de que o horário da “virada” de Boulos sobre o ex-coach coincide com o de eleições passadas. Todas são informações falsas.

“Todas as eleições viraram para o PT às 18h45m”, diz um dos posts no X, em referência às últimas eleições presidenciais. “Enquanto não for urna com voto impresso haverá fraudes”, diz outro tweet acompanhado de um vídeo sobre a derrota do empresário.

Boulos, que aparecia atrás do prefeito Ricardo Nunes (MDB) e de Marçal durante parte da apuração, ultrapassou o candidato do PRTB às 18h45m – mesma faixa de horário em que Lula ultrapassou Jair Bolsonaro na apuração do segundo turno de 2022. A coincidência, porém, se limita a este ciclo eleitoral: Bolsonaro liderou os dois turnos de 2018 e a “virada” de Dilma Rousseff (PT) sobre Aécio Neves (PSDB) em 2014 aconteceu bem mais tarde.

A tese de que as urnas foram corrompidas para frear Marçal também foi a tônica do canal do ex-candidato no Discord. No dia da votação, o empresário, que teve seus perfis bloqueados na véspera pela divulgação de um laudo toxicológico falso atribuído a Boulos, chegou a declarar que “se não ganhar, é rolo”.

“De certa forma ele também incitou um pouco esse comportamento, embora não tão diretamente como na propagação de outras informações falsas como o laudo toxicológico. A gente vinha observando nos comentários das postagens do Marçal essa conduta [de questionar uma eventual derrota]”, afirma Ana Júlia Bernardi, diretora de projetos do Instituto Democracia em Xeque.

O trabalho aponta ainda a predominância da rede de Elon Musk na disseminação de fake news, em contraponto a plataformas como as da Meta, que controla o Facebook e o Instagram, que têm uma regulação mais criteriosa em relação a conteúdos falsos. A suspensão de perfis e a remoção de conteúdos por determinação do STF estão no centro da batalha entre a Corte e Musk.

Para o instituto, o X “serviu como um palco para a mobilização de movimentos que reivindicavam o voto impresso como forma de garantir a transparência e segurança do processo eleitoral, amplificando, assim, a desconfiança nas instituições democráticas”.

Outro elemento levantado pelo pesquisador Alexsander Chiodi, um dos autores do trabalho, é a “reciclagem” de conteúdos contra urnas eletrônicas e a favor do voto impresso. Eles identificaram a repetição de montagens usadas na campanha bolsonarista contra o resultado eleitoral de 2022 e pelas mudanças nas urnas entre 2020 e 2021.

“Eles fazem referência ao mesmo discurso de 2022, principalmente no caso [da derrota] do Pablo Marçal, de que deveria ter voto impresso, auditável e que a apuração não é confiável”, explica Chiodi.“Há inclusive as mesmas peças e artes usadas desde aquela época. Foram requentadas no X”.

Uma das publicações mapeadas pelo estudo demonstra o que seria um “modelo ideal” de urna eletrônica com o comprovante impresso. Ela foi publicada originalmente pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ) em 2020. Outro exemplo é uma arte com os dizeres “voto impresso auditável” nas cores da bandeira do Brasil.

“As peças são as mesmas que apareceram durante a apuração do processo eleitoral”, salienta o pesquisador. “Elas mostram que é falso dizer que a narrativa da fraude das urnas eletrônicas morreu. Esse discurso ainda existe. Ele é requentado, recicla a narrativa de 2022, e o principal alvo é o próprio Alexandre de Moraes”.

Apesar da pesquisa compreender os dois primeiros dias após o desbloqueio do X, os autores identificaram durante o monitoramento um primeiro pico nas menções a fraudes e às suspeitas em torno das urnas eletrônicas – chamadas ironicamente de “caixinhas mágicas” por setores da direita – já na véspera do primeiro turno, quando o site ainda estava bloqueado no Brasil.

Na interpretação dos pesquisadores, isso se deve à atividade persistente de bolsonaristas e apoiadores de Marçal através da tecnologia VPN, que burla a localização real do usuário e permite driblar os bloqueios implementados pelos provedores brasileiros aos servidores da plataforma.

“Em um primeiro momento essa narrativa aparecia no X entre brasileiros que [muito provavelmente] usavam VPN. Nas outras redes [como o Instagram] essas discussões apareciam na forma de comentários nas publicações de influenciadores ou políticos que apoiavam Pablo Marçal, como a Carla Zambelli (PL-SP). Quando o X volta no dia 8, percebemos que essas pessoas dos comentários passam a protagonizar o debate no X”, afirma Chiodi.

“O hub volta a ser o X, um ambiente mais propício para o debate”.

O X foi derrubado no Brasil depois de se recusar a nomear um representante legal no Brasil. Desde o início do ano a plataforma vinha se recusando a obedecer às ordens de Moraes para suspender perfis. As restrições foram referendadas pela Primeira Turma do STF.

O estopim dessa briga foi a determinação de Moraes para que a rede de Elon Musk tirasse do ar nove perfis de bolsonaristas que fizeram postagens de intimidação e ameaça contra delegados da Polícia Federal envolvidos nos inquéritos das milícias digitais e da tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro, como os delegados Fábio Shor e Raphael Astine.

O site foi retomado na última terça-feira com autorização de Moraes, depois que Musk e o X nomearam a advogada Rachel Villa Nova Conceição como sua representante no Brasil e pagaram as multas judiciais.

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