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Estudantes almoçam arroz com ovo em escola de Belfort Roxo, onde secretário é suspeito de desviar verbas da merenda

Denis de Souza Macedo, secretário de Educação da cidade, foi preso na terça-feira pela PF

Na Escola Municipal Ernesto Pinheiro Barcellos, no bairro Itaipu, em Belford Roxo, Baixada Fluminense, o cardápio oferecido aos estudantes é quase sempre o mesmo: arroz e ovo. De acordo com estudantes da unidade, ouvidas ontem pelo jornal O GLOBO, de vez em quando tem frango desfiado. Já na Escola Municipal Santa Cruz, no bairro Nova Aurora, o café da manhã servido ontem se resumiu a rosquinha com laranja. Mais ou menos na mesma hora em que os estudantes faziam o parco desjejum, Denis de Souza Macedo, secretário de Educação da cidade, era preso pela Polícia Federal em casa, num condomínio de luxo na vizinha Nova Iguaçu. Ele é suspeito de comandar um esquema de desvio de verbas da merenda escolar. Pelos cálculos dos investigadores, o rombo ultrapassa os R$ 6 milhões.

Além da prisão do secretário, os policiais cumpriram 21 mandados de busca e apreensão em cidades da Baixada e na capital. Mais de R$ 2,6 milhões em espécie — em euros, dólares e reais —, quatro carros, documentos e celulares foram apreendidos. Poucas horas antes da prisão, na noite de anteontem, durante evento público, o prefeito Wagner dos Santos Carneiro, o Waguinho, que está em seu segundo mandato em Belford Roxo, era só elogios a Denis Macedo, a quem classificou como “o melhor secretário de Educação de todos os tempos”.

Desvio milionário

De acordo com as investigações que resultaram na operação de ontem da Polícia Federal e do Ministério Público Federal — batizada de Fames, em alusão à deusa da fome na mitologia romana —, os recursos enviados pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do governo federal, eram sistematicamente desviados mediante superfaturamento dos alimentos comprados. O valor do sobrepreço seria distribuído entre o secretário e outros servidores. Para funcionar, o esquema contava com empresas fantasmas, contratos assinados por laranjas e relações próximas entre fornecedores e contratantes. Algumas das empresas investigadas tinham apenas um cliente: a Secretaria de Educação de Belford Roxo.

Documento obtido pelo RJTV, telejornal da emissora Globo, mostra que uma das empresas investigadas, a RLC Barbosa, foi contratada para fornecer 201.010 unidades de maçãs, batatas e ovos. Embora tenha recebido o valor integral acordado, a empresa, segundo a Justiça, entregou apenas pequena parte do combinado, tendo descumprido 85% do contrato.

Os policiais encontraram também dinheiro vivo nos endereços de dois alvos da operação. Ainda segundo o documento obtido pelo RJTV, foram localizados R$ 336 mil e US$ 5 mil (cerca de R$ 30 mil) com Francisco Erialdo Farias Lira, que foi ex-secretário executivo da Secretaria de Educação de Belford Roxo. Já na casa do empresário João Morani Veiga, os agentes recolheram 300 mil euros (cerca de R$ 1,8 milhão). Em outro caso, Veiga foi citado pelo Ministério Público como suspeito da prática de caixa dois envolvendo uma gráfica de sua propriedade durante a campanha de Waguinho à prefeitura, em 2016.

Negligência

Na operação, os investigadores estiveram ainda em um depósito de merenda da Secretaria de Educação de Belford Roxo onde foram encontrados itens armazenados de forma inadequada, além de utensílios de cozinha, como panelas e copos, próximos ao chão, e pilhas de canecas ainda embaladas e empoeiradas.

— Mexer no dinheiro público já é errado. Desviar os recursos da merenda é inaceitável, até porque para muitas crianças essa é a única refeição do dia — critica Afrânio Gonçalves de Souza, diretor do Sindicato dos Professores (Sepe) em Belford Roxo, que se queixa ainda da ausência de concurso público há 12 anos, além de férias atrasadas e falta de livros didáticos para as escolas, entre outros problemas.

Na Escola São Francisco de Assis, no bairro São Francisco, queixas sobre a qualidade da merenda são muitas: um estudante disse que na segunda-feira comeu arroz, feijão e ovo. O mesmo estudante contou que, às vezes, o cardápio resume-se a angu com feijão. Daiane Pereira Costa de 32 anos, mãe de um estudante do 6º ano da mesma escola, também reclamou da alimentação:

— Ele diz que é só arroz, feijão, macarrão e ovo. Carne é uma raridade. Mas esse não é o único problema. A escola também não dá uniforme. O que meu filho está usando é o mesmo de dois anos atrás.

Os investigados na operação de ontem poderão responder por uso de documento falso, peculato e corrupção passiva e ativa, além de fraude a licitação e lavagem de dinheiro.

Em nota, a prefeitura informou que “não teve acesso aos autos do processo, mas confia na atuação da Justiça” e que a “administração municipal preza pela lisura e transparência” e “espera que os fatos sejam esclarecidos o mais rápido possível”.

Sobre a situação encontrada pela reportagem nas escolas Ernesto Pinheiro Barcellos, São Francisco de Assis e Santa Cruz, o município afirmou “desconhecer a falta de merenda denunciada pelos alunos” e que “todas as escolas dispõem de cardápio balanceado elaborado por nutricionistas”. A nota diz ainda que hoje “técnicos da Secretaria municipal de Educação irão às escolas apurar as informações dos alunos”. De acordo com a prefeitura, são servidas 120 mil refeições diárias na rede municipal de ensino, que é composta por 120 unidades, entre escolas e creches, onde estão matriculados 47 mil alunos.

Acusado nega fraude

Ao Jornal Nacional, da TV Globo, a defesa do secretário Denis Macedo afirmou que ele “sempre pautou a vida pública na legalidade”. A reportagem não localizou as defesas de Farias e Morani Veiga.

Com informações do GLOBO.

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