*Luiz Carlos Azedo
A epidemia de apostas esportivas virou doença social responsável por grande parte do endividamento da população. O termo “bets” virou sinônimo de uma cultura esportiva
Movido pelo sonho de ganhar dinheiro fácil, o jogo de azar vicia. Logo no começo de O Andar do Bêbado: como o acaso determina nossas vidas (Zahar), de Leonard Mlodinow, sobre a teoria das probabilidades, há um exemplo de como abstrair a realidade em prol da nossa percepção dos fatos: um homem ganhou na loteria nacional espanhola com um bilhete que terminava com o número 48. Orgulhoso, revelou a tese que o levou à fortuna. “Sonhei com o número 7 por 7 noites consecutivas”, disse, “e 7 vezes 7 são 48”. Ou seja, se a pessoa acha que uma coisa é, então ela será, não importa que não seja.
A esmagadora maioria das pessoas não conhece a teoria das probabilidades, muito menos calculá-las. Sabe apenas que as chances de ganhar na Mega-Sena são maiores quando se forma um grupo de apostadores, embora se ganhe menos, do que quando se faz uma aposta de R$ 15 sozinho. Por isso, milhões fazem as duas coisas simultaneamente. E perdem. A probabilidade de acerto sempre é maior para o maior número de dezenas, mas existe a aleatoriedade…
Compreender o papel da aleatoriedade na vida é difícil. Embora seus princípios básicos surjam do cotidiano, as consequências são contraintuitivas. Em qualquer série de eventos aleatórios, há grande probabilidade de que um acontecimento extraordinário (bom ou ruim), em virtude puramente do acaso, seja seguido de um acontecimento mais corriqueiro, como fazer uma aposta simples na Mega-Sena e não ganhar. Ninguém ganha se não jogar, o acaso tem sua lógica.
Segundo a teoria da probabilidade: “Se um time for 55% melhor que o outro, ainda assim o time mais fraco vencerá uma melhor de sete jogos cerca de 40% das vezes. E se o time superior for capaz de vencer seu oponente em dois de cada três partidas, em média, o time inferior ainda vencerá uma melhor de sete cerca de uma vez a cada cinco disputas”. Por isso, nem sempre o melhor time é o campeão. O fascínio das bets vem do fetiche de que os que jogam melhor ganharão sempre. Não é bem assim.
De autoria do deputado federal Chico Alencar (PSol-RJ), que o protocolou na Câmara na quinta-feira, o PL nº 2312/2025 propõe a regulamentação da publicidade das bets. A epidemia de apostas esportivas virou doença social responsável por grande parte do endividamento da população. O termo “bets” (apostas, em inglês) virou sinônimo de uma cultura esportiva digital, ligada a plataformas como Betano, Blaze, Pixbet, Bet365, Esportes da Sorte, entre outras. É uma febre entre jovens e até adolescentes.
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Empréstimos consignados
Chico Alencar mira o poder dos influenciadores na disseminação das apostas, nas quais a relação entre número de apostadores e acertos aparece nos contratos de forma perversa: quanto mais erros nas apostas, mais o influenciador recebe. “O PL partiu da constatação do poder viciante de geração de dependência e de degradação na vida das pessoas que essa propaganda da bet tem”. Segundo o projeto, posts pagos que divulguem sites de apostas terão que deixar claro que se trata de publicidade.
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Os influenciadores também deverão informar se ganham algum tipo de comissão — direta ou indireta — com as perdas dos apostadores. Outras diretrizes também determinam que os anúncios sobre apostas tragam alertas visuais e sonoros sobre os riscos financeiros e a possibilidade de vício. O projeto obriga as plataformas de apostas a adotarem verificação de idade, autoexclusão e limites de gastos.
Prevê que 1% da receita bruta das empresas seja destinado a ações de prevenção e tratamento da dependência e, igualmente, multas de até 10% do faturamento anual da empresa, a suspensão das atividades por até 90 dias, a cassação da licença de operação em casos de reincidência, e multas variáveis entre os valores de R$ 100 mil e R$ 20 milhões, caso a infração seja cometida por influenciadores.
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O endividamento das famílias brasileiras voltou a crescer em abril, atingindo 77,6% dos lares — o maior nível desde agosto de 2024. Esse aumento marca o terceiro mês consecutivo de alta, segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), da Confederação Nacional do Comércio (CNC). As famílias inadimplentes (com dívidas em atraso) chegam a 29,1%, sendo que 12%,4% não têm mais condições de pagar. O comprometimento médio da receita das famílias com renda de até três mínimos chega a 81,1%.
As apostas são uma das principais causas de inadimplência. E o crescimento do uso de crédito consignado está diretamente relacionado à rolagem das dívidas. As principais dívidas são com cartão de crédito (83,8%); carnês (17,4%); e crédito pessoal (17,4%). Financiamento de veículos e imobiliários, que são considerados dívidas saudáveis, porque representam formação de patrimônio, são apenas 9,0% e 8,8%, respectivamente.
O crédito consignado do INSS representa 40% do total do saldo de consignados no país, operando mais de R$ 268 bilhões. O limite de comprometimento da renda com crédito consignado permanece em 45% do benefício mensal. Desde janeiro, novos aposentados e pensionistas do INSS deixaram de aguardar o período de 90 dias para pedir esse tipo de empréstimo no banco onde recebem o benefício. Um efeito colateral dessa expansão, ainda não devidamente mensurado, são as fraudes.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Corrio braziliense. A coluna deste domingo rdtá publicada tamém na edição de hoje (18) do Estado de Minas.
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