Encruzilhada dos destinos de Collor e Sarney é uma ironia da história

*Luiz Carlos Azedo

No mesmo dia da festa de aniversário de José Sarney, em São Luiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em Brasília, determinava a prisão do Collor de Mello, em Maceió

Entre afagos de familiares, amigos, aliados e antigos adversários, na noite de quinta-feira, o ex-presidente José Sarney comemorou seus 94 anos, numa festa que reuniu mais de 1500 pessoas na Fundação da Memória Republicana, localizada no antigo Convento das Mercês, no centro histórico de São Luiz, transformado em museu, no qual a memória do Maranhão, a história do Brasil e o legado do velho político maranhense se misturam. Seu acervo tem mais de 1 milhão de documentos, 24 mil livros (incluindo 3 mil raros), 50 mil registros audiovisuais e 5 mil itens iconográficos, doados pelo ex-presidente da República.

O ponto alto das comemorações foi o lançamento do selo e do carimbo dos Correios comemorativo dos 40 anos de democracia no Brasil, com a foto de Tancredo Neves e Sarney juntos, quando foram eleitos presidente e vice-presidente da República no Colégio Eleitoral, de forma indireta, em 15 de janeiro de 1985, uma data que passou quase despercebida. Desde o dia 15 de março, o dia em que tomou posse na Presidência, porém, Sarney foi alvo de inúmeras homenagens e comemorações, que serviram para resgatar a memória desses 40 anos de democracia e do seu papel como chefe de Estado num dos períodos mais turbulentos de nossa história.

Nascido em 1930, José Sarney assumiu o primeiro mandato na Câmara dos Deputados em 1955. Foi deputado por mais dois mandatos, em 1958 e 1962 e se elegeu governador do Maranhão, seu estado natal, em 1965. Após esse mandato, ocupou o cargo de senador pelo Maranhão até o fim da ditadura, em 1985. Com a morte de Tancredo, Sarney se tornou presidente, sendo o primeiro civil a ocupar o cargo após a ditadura.

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Herdou do regime militar crescente dívida externa e forte recessão. Entre os principais marcos de seu governo, está a convocação da Assembleia Constituinte, que elaborou e promulgou a Constituição de 1988. Também implementou os planos Cruzado 1 e 2, na tentativa de controlar a inflação acumulada durante a ditadura militar, que fracassaram. Não houve um único dia de seu mandato sem uma greve de trabalhadores.

No final do governo, a inflação ultrapassava 80% ao mês; depois do “boom” de 1986, o Plano Cruzado colapsou e a economia entrou em recessão. Em 1987, Sarney decretou uma moratória da dívida externa, velha bandeira da esquerda, que depois viria a classificar como “um erro extraordinário”: o mundo se fechou para o Brasil e a dívida explodiu. A hiperinflação fez com que deixasse o poder muito desgastado. Com a popularidade em baixa, na primeira eleição direta para a Presidência, em 1989, foi abandonado por muitos aliados e espezinhado pela oposição.

Rumos cruzados

O ex-governador de Alagoas Fernando Collor de Mello (PRN), o “caçador de marajás”, e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), então o grande líder sindical do país, chegaram ao segundo turno com um discurso contra tudo e contra todos, mas principalmente contra Sarney. Com isso, desbancaram grandes protagonistas daquele momento de transição à democracia, como Leonel Brizola (PDT), Mário Covas (PSDB), Ulysses Guimarães (PMDB), Afif Domingos (PL), Aureliano Chaves (PFL), Paulo Maluf (PDS), Ronaldo Caiado (PSD), Roberto Freire (PCB), Fernando Gabeira (Verde) e o histriônico Eneas Carneiro (Prona), entre outros.

Por uma dessas ironias da história, sempre ela, no dia da festa de aniversário de Sarney em São Luiz, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, em Brasília, determinava a prisão do ex-presidente Collor de Mello, condenado a 4 anos e 4 meses pelo crime de corrupção passiva e a 4 anos e 6 meses por lavagem de dinheiro, em um desdobramento da Operação Lava Jato. Segundo a investigação, teria recebido R$ 20 milhões em propina, para viabilizar indevidamente contratos da BR Distribuidora, antiga estatal da Petrobras, para a construção de bases de distribuição de combustíveis, entre os anos de 2010 e 2014. Foi preso devido a fatos ocorridos muito depois de renunciar à Presidência para evitar seu impeachment. Collor alega inocência.

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Principal algoz de Sarney, porém, por muitos anos, Collor conviveu com o ex-presidente da República no Senado, que o político maranhense, eleito pelo Amapá, comandou por quatro vezes: 1995-1997, 2003-2005 e 2019-2023 (dois mandatos). Collor manteve-se influente na Casa, de 2007 a 2023, na qual presidiu as comissões de Assuntos Econômicos (CAE) e de Relações Exteriores e Defesa Nacional (CRE).

O principal legado de Collor para a história do Brasil é a abertura da economia brasileira, com redução de tarifas de importação, combate a reservas de mercado, abertura ao capital estrangeiro e os primeiros passos para privatizar as estatais. Em 1992, porém, denúncias de corrupção envolvendo o próprio Collor e seu tesoureiro de campanha, Paulo César Farias (PC Farias), motivaram o movimento dos “Cara Pintadas”, protestos de estudantes que pediam seu impeachment, que ganhou as ruas de todo o país. Às vésperas do julgamento do impeachment, Collor renunciou ao mandato; mesmo assim, o Senado cassou seus direitos políticos por oito anos.

Embora tenha sido absolvido pelo Supremo de todas as acusações que lhe foram feitas durante o impeachment, nunca conseguiu resgatar sua imagem. O confisco da poupança dos brasileiros para tentar conter a inflação em 1990, no lançamento do Plano Collor, lhe valeu eterna impopularidade fora de Alagoas. Na mesma noite de sexta-feira em que Sarney jantou com familiares e amigos na sua casa da Praia do Calhau, Collor de Mello dormiu pela primeira vez no presídio de Baldomero Cavalcanti, no bairro do Tabuleiro do Martins, em Maceió, onde está preso e aguarda que o plenário do Supremo decida seu destino.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense. A coluna deste domingo ( 27) está publicada também no Estado de Minas.

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