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Em xeque, o compromisso de Lula com a democracia

A posição oficial do PT, que reconheceu de pronto a contestada vitória de Maduro, foi um desastre para a legenda, que está dividida”

A posição de alinhamento do Brasil com México, Colômbia, Estados Unidos e União Europeia em relação à Venezuela começa a dar resultados positivos. Principalmente depois de a embaixada brasileira em Caracas passar a representar os interesses da Argentina, a pedido do presidente Javier Milei, e de os líderes de oposição Edmundo González e María Corina Machado agradeceram o posicionamento adotado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em relação à divulgação das atas de votação.

Brasil, Colômbia e México divulgaram uma nota conjunta, no início da noite de ontem, em que pedem a divulgação de atas eleitorais na Venezuela. A nota pede, também, a solução do impasse eleitoral no país pelas “vias institucionais” e que a soberania popular seja respeitada com “apuração imparcial”.

Ontem, o embaixador do Brasil na Organização dos Estados Americanos (OEA), Benoni Belli, reafirmou o princípio fundamental de que a soberania popular deve ser observada “mediante a verificação dos resultados das atas”. E que espera a publicação dos dados apurados pelas mesas eleitorais por parte da CNE (a autoridade eleitoral venezuelana).

María Corina elogiou a posição do Brasil nas suas redes sociais e disse que a oposição está disposta a participar de uma negociação séria e urgente para que seja acordada uma transição política pacífica, que respeite a vontade dos eleitores venezuelanos. Ela e González, o candidato da oposição, estão escondidos para não serem presos por ordem de Nicolás Maduro.

“Agradecemos ao governo do Brasil sua disposição de assumir a representação diplomática e consular da República Argentina, a proteção de sua sede e residência, assim como a integridade física de nossos companheiros asilados na embaixada. Isso pode contribuir para o avanço do processo de negociação construtiva e efetiva com o respaldo do Brasil”, disse María Corina.

Agora, quem busca a interlocução com o Brasil é Maduro, que se autoproclamou vencedor das eleições, com apoio das autoridades eleitorais — acusadas da fraudar o pleito de 28 de julho —, do parlamento e dos militares venezuelanos — cujas tropas estão nas ruas para reprimir os protestos. Maduro solicitou uma conversa com Lula, que está tendo um papel diplomático importante na crise, mas sofre desgastes na opinião pública por não romper com o presidente venezuelano e, também, por suas declarações contraditórias sobre a situação do país vizinho.

A posição oficial do PT, que reconheceu de pronto a contestada vitória de Maduro, foi um desastre para a legenda, que está dividida. As pesquisas da RealTime BigData mostram que confrontam um sentimento amplamente majoritário da sociedade, de que houve fraude nas eleições (73%); de que a Venezuela se tornou uma ditadura (79%); e que Lula errou ao dizer que a situação era normal no país vizinho (73 % discordam).

Liderança moral

Do ponto de vista diplomático, o Itamaraty se move com a competência de sempre. Enquanto a Venezuela está em marcha batida de um regime “iliberal”, que já existia, para uma ditadura aberta, tudo o que Lula não precisa é perder a bandeira da democracia. Esse é o principal ativo de seu governo desde a tentativa de golpe de Estado de 8 de janeiro. A histórica relação do petismo com o chavismo, com Maduro no poder, tornou-se cada vez mais tóxica.

Entretanto, setores importantes do PT não pensam assim. Mantêm uma visão arcaica de que o modelo de capitalismo de Estado venezuelano seria uma espécie de antessala do socialismo bolivariano. De igual maneira, apostam em alianças anti-imperialistas, na qual o grande inimigo são os EUA. Imaginam que a crise venezuelana é uma situação revolucionária. Em termos estratégicos, não levam em conta a gravidade de um descolamento do Brasil do campo democrático ocidental, a partir do apoio incondicional ao regime de Maduro.

O historiador e cientista político Alberto Aggio, professor da Unesp, destacou que a erosão da democracia passa pelo “colapso histórico” de atores políticos. Segundo ele, por questões de política externa, nos casos de Venezuela e Ucrânia, e por incompreensão do que seja uma política de alianças ampla, “o PT se fixa, agora, como um dos colaboradores da erosão democrática que parece em curso entre nós”.

Segundo Aggio, “resta-nos tão somente o peso das instituições de Estado da Carta Constitucional de 1988 como garantia de alguma qualidade da nossa política”. De fato, foram essas instituições que garantiram a posse de Lula e a frustração da tentativa de golpe de 2023, mas subsiste um processo de “transformismo” político, no qual forças políticas centristas começam novamente a ser hegemonizadas pela extrema direita, de baixo para cima.

A hegemonia política é uma construção que não envolve apenas a conquista e o exercício do poder estatal, mas, também, a liderança moral da sociedade. PT, PSDB e MDB perderam a bandeira da ética durante a Operação Lava-Jato, hoje nas mãos da oposição. Lula busca exercer essa liderança pela via do seu humanismo e do compromisso com a democracia. É isso aí que está em jogo.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, é colunista do Correio Braziliense.

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