*Luiz Carlos Azedo

Nossos intelectuais estão apartados da política ou aderiram à intolerância ideológica; é preciso repensar seriamente o Brasil na nova ordem mundial e oferecer um rumo às elites política e econômica
Em quase todos os momentos importantes da história do Brasil, alguns intelectuais se destacaram pelo esforço de produzir uma síntese da realidade do país e inspiraram as suas respectivas gerações a levarem adiante um projeto de nação. Não foi pouca coisa, num país no qual a primeira universidade foi criada apenas em 1920, a Universidade do Rio de Janeiro (com a união da Escola Politécnica à Escola de Medicina e à Faculdade de Direito), pela necessidade de conceder o título de doutor honoris causa ao rei Alberto I da Bélgica.
Fazem parte dessa constelação, entre outros, Sérgio Buarque de Holanda (Raízes do Brasil –1936), com seu estudo sobre a formação do caráter nacional; Gilberto Freyre (Casa-Grande & Senzala –1933); Caio Prado Júnior (Formação do Brasil Contemporâneo -1942); Celso Furtado (Formação Econômica do Brasil –1959); Raymundo Faoro (Os Donos do Poder -1958); e Nelson Werneck Sodré (História da Burguesia Brasileira – 1964).
Esses autores são revisitados quase como um dever de casa, seja como suporte para novas análises seja para a revisão de suas teses. Entretanto, hoje, são raros os exemplos de esforço de novas sínteses sobre o Brasil. Talvez o mais recente e importante seja “História da riqueza no Brasil: Cinco séculos de pessoas, costumes e governos (Estação Brasil)”, de Jorge Caldeira, que repensa teses consagradas e reconstrói a interpretação de nossa economia colonial, do Segundo Império, da República Velha e da Era Vargas.
A grande maioria dos ensaios e teses acadêmicas, que se multiplicam, fragmenta a compreensão da realidade brasileira, num momento em que o país carece de uma elite política, empresarial e intelectual coesa e capaz de liderar, em bases democráticas, um novo ciclo histórico de desenvolvimento. O fantasma da modernização autoritária está à nossa espreita, como no Estado Novo e no regime militar, num momento perigoso da política mundial.
Seja com a recidiva de Donald Trump na Casa Branca ou a emergência da Nova Rota da Seda de Xi Jinping, sem falar em Vladimir Putin, no Kremlin, e Benjamin Netanyahu, em Jerusalém, o autoritarismo hegemoniza a economia e a política mundial e a democracia no Brasil corre novos riscos. Nossos intelectuais, porém, estão apartados da política ou aderiram à intolerância ideológica; pouco se faz para repensar seriamente o Brasil na nova ordem mundial e oferecer um rumo às elites empresarial e política.
No seu livro “A Mente Imprudente” (Record), o sociólogo Mark Lilla, da Columbia University (EUA), tenta entender o papel dos intelectuais na política a partir da trajetória de alguns dos mais importantes pensadores do século XX. Nele, critica o “teólogo político secular”, aqueles intelectuais que substituíram a fé religiosa por uma crença quase messiânica em projetos políticos radicais.
O dogma brando
Lilla argumenta que grandes intelectuais abandonaram o ceticismo e a prudência no século passado, em favor de visões políticas redentoras. Esse impulso os levou à negação das limitações humanas e institucionais, e à legitimação de regimes brutais. Carl Schmitt, um especialista em direito ainda muito estudado, defendeu um estado sem direito para boa parte de sua população: o nazista. Martin Heidegger, amante e mentor da jovem Hannah Arendt, entrou no partido nazista e cortou todas as suas relações com colegas judeus. Walter Benjamin tinha simpatia ambígua pelo messianismo e manteve-se fiel ao stalinismo. Michel Foucault flertou com a Revolução Iraniana de Khomeini; e Jacques Derrida se omitiu frente a regimes repressivos.
As certezas ideológicas carregam o perigo da intolerância, critica Mark Lilla. O papel do intelectual não é apenas criar e propagar ideias, mas também assumir a responsabilidade por seus impactos. “O intelectual prudente equilibra idealismo e pragmatismo; o imprudente, se entrega a utopias sem considerar os custos humanos”, compara.
Em 2016, em Paris, Lilla revisitou sua própria obra e escreveu um posfácio no qual contextualiza o atual ambiente intelectual. Segundo ele, com o fim da guerra fria, o radicalismo foi substituído por uma espécie de “dogma brando”, com princípios liberais básicos como o caráter sagrado do indivíduo, a prioridade da liberdade e a desconfiança em relação à autoridade pública”. Isso é politicamente democrático, mas carece de consciência das fraquezas da democracia e da maneira como pode causar hostilidade e ressentimento.
O “dogma brando” se tornou um caldo de cultura para a tirania. Não leva em consideração as instituições nem a relação entre o individual e o coletivo, o chamado bem comum. Sua simplicidade é antipolítica e o anti-intelectual, o que explica o fato de conquistar muitos seguidores: fundamentalistas do “estado mínimo” e anarquistas de esquerda, libertários absolutistas e evangelistas neoliberais, todos politicamente radicais. Suas diferenças são insignificantes, têm em comum o preconceito em relação ao outro. O “dogma brando” inspira ignorância e falta de empatia. E o autoengano em relação a isso tira os intelectuais do caminho.
O “dogma brando” se tornou um caldo de cultura para a tirania. Não leva em consideração as instituições nem a relação entre o individual e o coletivo, o chamado bem comum. Sua simplicidade é antipolítica e o anti-intelectual, o que explica o fato de conquistar muitos seguidores: fundamentalistas do “estado mínimo” e anarquistas de esquerda, libertários absolutistas e evangelistas neoliberais, todos politicamente radicais. Suas diferenças são insignificantes, têm em comum o preconceito em relação ao outro. O “dogma brando” inspira ignorância e falta de empatia. E o autoengano em relação a isso tira os intelectuais do caminho.
*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense. A coluna deste domingo ( 8) está publicada também no Estado de Minas.
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