Nove dias depois da suspensão do fornecimento de água para a manutenção anual do Sistema Guandu, a concessionária Aguas do Rio não conseguiu restabelecer o fornecimento. Várias regiões da cidade ainda estão com as torneiras secas. Para garantir o banho e a limpeza da casa, moradores do Edifício Ariel, na Rua São Salvador, no Flamengo, tiveram que contratar quatro caminhões-pipa por R$ 9 mil no fim de semana. Com 48 apartamentos, o prédio tem moradores que vivem ali há mais de cinco décadas e que nunca tinham enfrentado um período tão longo de escassez.
— A água começou a ficar muito fraca, até que não tinha mais, mesmo o nosso prédio tendo uma cisterna grande. Fizemos racionamento, mas, no último fim de semana, compramos água porque aqui moram muitos idosos — contou a síndica Monica Reinach.
Prazo após prazo
Segundo Reinach, as reclamações passadas para a concessionária Águas do Rio não vêm surtindo efeito, já que ontem a água até “pingou” na cisterna, mas foi por pouco tempo.
— Ligamos no dia 26 e eles (a Águas do Rio) deram um prazo de até dia 2, o último domingo. Sem água, ligamos de novo, e o prazo foi estendido até hoje (ontem). Agora estenderam até o dia 10 para voltar ao normal. Continuamos economizando água porque até para comprar é ruim. Achar caminhão-pipa foi difícil, e, no único lugar que encontramos, a água não era confiável. O preço era alto, só aceitavam Pix ou dinheiro e não nos deram nota fiscal. Não usamos essa água para beber nem cozinhar.
Todo ano consumidores da capital e de cidades da Baixada Fluminense se preparam para ficar de dois a três dias sem água durante a manutenção do Sistema Guandu, feita na terça-feira da semana passada. Mas desta vez deu tudo errado. Na madrugada desse mesmo dia, uma adutora rompeu em Rocha Miranda, matando uma mulher de 76 anos que dormia em casa. No domingo, dia 24, já tinha ocorrido um vazamento nessa rede. Após o religamento da Estação de Tratamento do Guandu, a Águas do Rio informou a ocorrência de problemas em outros três pontos da cidade.
‘Tempestade perfeita’
Num seminário ontem na Associação Brasileira de Engenharia Sanitária e Ambiental (Abes-RJ), o diretor de Operações da Águas do Rio, Sinval Andrade, disse que, em paradas programadas para manutenção, como a da semana passada, “turbulências são normais”, referindo-se à demora na retomada do abastecimento.
— Tivemos uma tempestade perfeita nesse período de interrupção do Guandu. Houve o rompimento de duas adutoras. Tínhamos 80 obras programadas nesse período de manutenção, que já seriam um desafio mesmo se não houvesse problemas — disse.
Desafio tem sido a tarefa de Simone Vasconcellos, síndica do Edifício Chamonix, na Rua São Clemente, em Botafogo, na Zona Sul. Com o período de seca, ela precisou controlar o nível do reservatório do prédio, abrindo a água para os apartamentos apenas duas vezes por dia.
— Era a única solução porque chegamos a ficar com apenas um palmo de água na cisterna e na caixa d’água. Hoje (ontem) a água está sem cair novamente. E, quando cai, é muito fraca. Quando a gente telefona (para Águas do Rio), eles nem vêm ver. É um descaso total.
A concessionária, multada pelo Procon Carioca em R$ 13,6 milhões, informou que “todos os reparos realizados nas redes de abastecimento do município do Rio foram finalizados e que o sistema está normalizado”. Questionada sobre os problemas no Flamengo e em Botafogo, prometeu que “enviará equipes para checar pontualmente os endereços que forem informados à empresa”. Acrescentou que o fornecimento foi suspenso ontem devido à “paralisação na produção de água de uma série de represas motivada pelas chuvas, que causaram turbidez”.
Na Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, também há quem esteja há dez dias sem água. Moradores do Barraleme, na Avenida do Pepê, relataram que o condomínio já gastou R$ 50 mil em caminhões-pipa para abastecer os 210 apartamentos por oito dias.
— Ainda assim o condomínio avisou hoje (ontem) aos moradores que receberam o comunicado da concessionária Iguá Saneamento de que o abastecimento ainda não está normalizado. Vamos continuar em regime de economia de água — relatou o morador Decio Magioli.
A Iguá informou que “a Avenida do Pepê está localizada em uma região considerada ponta de rede, o que pode retardar a retomada integral do abastecimento, especialmente após longas interrupções, como foi o caso da parada do Guandu, realizada na semana passada pela Cedae”. Além disso, afirmou que “está investindo em melhorias” e que caminhões-pipa foram enviados para a região.
Instalação de válvulas
O sistema de abastecimento de água na Região Metropolitana ainda tem gargalos que não serão resolvidos antes de meados de 2025, bem depois deste verão, quando o consumo aumenta. Um dos problemas que leva à demora da retomada do fornecimento é a falta de válvulas que podem isolar uma área menor em caso de vazamento. Hoje, para fazer uma manutenção em um determinado ponto, é preciso suspender o abastecimento de muitos consumidores.
— Se eu tiver um problema na Lagoa, eu paro o abastecimento de Botafogo. Tenho que parar áreas extensas. Hoje, a gente não tem uma setorização do sistema, para trabalhar em pequenas áreas isoladas. Desde o começo da concessão há três anos, temos feito obras para ter um sistema por controle por válvulas, nos concentrando nas intervenções mais críticas. Precisamos implantar 266 válvulas, que podem ser instaladas sem nova paralisação do sistema. A maioria das instalações que ainda falta é na Zona Norte. Nossa meta é concluir isso em meados do ano que vem — explicou o diretor Sinval Andrade.
Sobre o rompimento em Rocha Miranda, o diretor disse que ainda não se sabe a causa.
Com informações de O Globo