A poucos dias da cúpula de líderes do G20, que reúne as 19 maiores economias do mundo mais União Europeia e União Africana, marcada para 18 e 19 de novembro no Rio, o Brasil já contabiliza alguns ganhos importantes, mas teme mudanças drásticas na posição dos Estados Unidos com a vitória de Donald Trump — que sempre foi avesso ao cumprimento de normas e compromissos internacionais. A avaliação no governo de Luiz Inácio Lula da Silva é de que Trump não deverá respaldar os princípios assumidos pelo atual presidente estadunidense, Joe Biden, que participará do encontro. O negacionismo climático e a falta de apoio à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza são exemplos do que pode estar por vir.
O Brasil obteve vitórias importantes, como o consenso entre as principais economias do bloco sobre a taxação de super-ricos e a vinculação entre o comércio internacional e o desenvolvimento sustentável. No entanto, há alguns pontos em aberto, como o nível de adesão de países dispostos a implementar políticas públicas de combate à fome e o compromisso das nações desenvolvidas com medidas para mitigar os efeitos das mudanças climáticas.
São propostas feitas pelo Brasil, que preside o G20 este ano, e que foram incluídas nos debates com a concordância dos líderes das maiores economias do mundo. Mas, com a recente eleição de Trump para um segundo mandato na Casa Branca, há novos fatores que podem influenciar a agenda do grupo.
Vitrine para o Brasil
O governo brasileiro não fez um convite para Trump participar da reunião no Rio, pois entende que os convites são a países e caberia a Biden chamar o presidente eleito. Na semana passada, Lula conversou por telefone com o presidente estadunidense, que confirmou a vinda ao Rio e a decisão de Washington de aderir à Aliança Global contra a Fome, além de anunciar uma visita a Manaus antes da cúpula.
O G20 é uma vitrine para o Brasil, em um momento de retorno ao cenário internacional e da reconstrução da política externa brasileira. Os acordos no âmbito do bloco são cartas de intenções e não há obrigação de serem cumpridos, mas são considerados passos gigantescos para a diplomacia brasileira.
Doutora em Relações Internacionais e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Flavia Loss destaca que o G20 tem colocado o dedo na ferida de vários assuntos importantes, além das questões latino-americanas.
— Em um novo governo Trump, qualquer compromisso internacional relacionado ao meio ambiente e a questões como a Aliança contra a Fome e a Pobreza, que provavelmente não estarão entre as prioridades do presidente eleito, passam a ser ainda mais importantes. É essencial para o futuro da Humanidade que os outros países consigam se organizar minimamente para levar as propostas adiante — afirma Loss.
Sem entrar no mérito da eleição nos EUA, o embaixador Maurício Lyrio, que tem a função de sherpa do G20 — uma espécie de negociador diplomático do presidente Lula no bloco —, ressalta que todos os membros do grupo concordam com uma aliança global contra a fome. Porém, é preciso aprovar, durante a cúpula do Rio, uma declaração de compromissos.
— Acho interessante consagrar a ideia de que a superação da fome e da pobreza passa pela adoção de certas políticas públicas que hoje são comprovadamente eficazes, com o endosso do Banco Mundial e da FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação). Queremos mais fundos. Existem recursos destinados ao desenvolvimento, mas não estão necessariamente direcionados para programas sociais que combatem a fome e a pobreza — diz Lyrio.
Caminho para a COP30
O embaixador defende o melhor uso dos recursos existentes para que sejam direcionados a programas sociais. Segundo o diplomata, nesse contexto, haveria três tipos de participação: países doadores, que contribuem para os fundos; países que podem ajudar na cooperação por terem conhecimento, como o Brasil; e países que precisam receber esses recursos.
A aliança deve vigorar entre 2025 e 2030, coincidindo com os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), estabelecidos pela ONU.
— Há 730 milhões de pessoas passando fome no mundo, sendo 145 milhões delas crianças de até 5 anos. Só o número de crianças corresponde a uma nação inteira, a nona mais populosa do mundo — afirma o embaixador.
Outro desafio brasileiro mira a COP30, a conferência mundial sobre o clima, que acontecerá no segundo semestre de 2025, em Belém. Casar os recursos nacionais com medidas para combater o aquecimento global é uma das metas.
— Os compromissos em termos de recursos, no fim das contas, são tomados nas COPs. Mas o que queremos é dar um empurrão, fazer com que o G20 tenha um papel positivo no sentido de aumentar o compromisso dos países em relação à mudança do clima — explica o sherpa.
Técnicos da área econômica ressaltam que o Brasil obteve vitórias importantes, como o consenso na taxação dos super-ricos. A ideia é criar um imposto mínimo de 2% da riqueza dos bilionários do mundo, com uma arrecadação prevista entre US$ 200 bilhões e US$ 250 bilhões (entre R$ 1,15 trilhão e R$ 1,44 trilhão) anualmente, dinheiro que poderia financiar iniciativas como o combate à fome. O Itamaraty se prepara para buscar a inclusão da taxação na declaração final.
Gabriel Petrus, diretor global de parcerias estratégicas da Câmara Internacional de Comércio (ICC, na sigla em inglês), também avalia que, antes mesmo da cúpula do Rio, o balanço da presidência do Brasil é positivo, e cita como exemplo o convite inédito feito a entidades empresariais para participarem da fundação dessa nova frente. Para ele, houve um “acordo histórico” entre os membros do G20, ligando o comércio internacional à sustentabilidade. Essa bandeira, afirma, não poderia ter melhor porta-voz que o Brasil, detentor da maior biodiversidade do mundo.
Governança global
Já a reforma da governança global, que incluiria tanto o Conselho de Segurança da ONU quanto organismos multilaterais, como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional (FMI), foi colocada em pauta, mas não há perspectivas de cumprimento da meta. Segundo Petrus, o tema poderá ter um desfecho melhor na presidência da África do Sul, a partir de 2025.
— A reforma das instituições internacionais e a importância de repaginar o multilateralismo entraram na agenda para ficar. O Brasil usou muito bem sua liderança. Colocou a bola na área, mas talvez caberá aos sul-africanos fazerem o gol — conclui.
Com informações de O GLOBO.