Com o estado em déficit, governo do RJ atrasa repasses da saúde a cidades

Sem recursos do estado, a Policlínica Regional Dr. Guilherme March, no bairro Fonseca, em Niterói, já estaria enfrentando falta de alguns insumos — Foto: Fabiano Rocha / O Globo

Com os repasses do governo estadual na área da Saúde atrasados, vários municípios fluminenses estão tendo de apertar o cinto para não prejudicar o atendimento à população e recorrendo a recursos próprios, remanejados de outras áreas, para não comprometer a oferta de serviços básicos, como programas preventivos e a aquisição de medicamentos e insumos. A Secretaria estadual de Saúde não informa quantas cidades estão sendo afetadas pelos atrasos e promete arcar com a totalidade dos repasses obrigatórios até o fim do ano. No entanto, a pasta acrescenta que, “em razão da realidade orçamentária do estado, alguns cofinanciamentos complementares (não obrigatórios) não foram repactuados”.

A escassez de recursos para as cidades acontece no momento em que o Palácio Guanabara trabalha com a estimativa de um déficit orçamentário de R$ 10,3 bilhões para este ano. Em meio a esse presságio de penúria, o estado negocia a revisão do Regime de Recuperação Fiscal — há uma ação em curso no Supremo Tribunal Federal (STF) na qual o Rio pede a suspensão do pagamento da dívida e a realização de novo cálculo, sem a cobrança de juros. Esta semana, o governador Cláudio Castro esteve em Brasília, onde, com outros governadores, se reuniu com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, para tratar da renegociação das dívidas dos estados com a União. A expectativa é que um projeto de lei complementar tratando do tema seja enviado em breve à Casa.

Contra juros da dívida

Em sua conta na rede social X (antigo Twitter), Castro escreveu que o objetivo dessa renegociação é reduzir o que ele chama de “juros abusivos que vêm sendo cobrados” para que “a dívida deixe de ser impagável” e o estado possa “investir mais em áreas fundamentais para nossa população, como Saúde, Segurança e Educação”.

Enquanto o esperado equilíbrio das contas não chega, o fato é que a parte que cabe ao estado no cofinanciamento da Saúde — cujo valor total é composto por repasses da União, do governo estadual e dos governos municipais — segue sem chegar aos cofres de algumas cidades. É o caso de Campos dos Goytacazes, no Norte Fluminense, onde a dívida já passa dos R$ 50 milhões.

Em Petrópolis, na Região Serrana, o rombo atinge R$ 16,5 milhões. Outros municípios, como Angra dos Reis e Maricá, não divulgaram valores, mas confirmaram que também estão sem receber os recursos do estado. A prefeitura de Rio das Ostras informou apenas que o repasse caiu de R$ 20 milhões, em 2023, relativos a 2022, para R$ 1,8 milhão este ano, referente ao exercício passado.

Outro problema

Na capital, a queixa é com relação à desigualdade na distribuição de recursos do Fundo Estadual de Saúde. A cidade do Rio cobra ainda a definição de critérios mais claros para a divisão dos recursos. Com seus 6,2 milhões de habitantes, o município recebeu este ano R$ 39 milhões, o equivalente a R$ 6,37 por pessoa. Ainda assim, a dívida acumulada desde 2021 seria de R$ 921 milhões referentes a recursos devidos pela municipalização dos hospitais Pedro II, em Santa Cruz, e Albert Schweitzer, em Realengo, ambos na Zona Oeste, além de verbas de cofinanciamento e destinadas a políticas públicas de saúde.

Do montante que a prefeitura de Petrópolis cobra ao estado, R$ 6 milhões, cerca de 36% do total, são referentes ao custeio de três Unidades de Pronto Atendimento (UPAs do Centro, da Cascatinha e de Itaipava). As três atendem, juntas, 800 pacientes por dia. Por lá, a falta de repasses para as unidades foi parar na Justiça. A ação corre na 4ª Vara de Fazenda Pública de Petrópolis. A última audiência foi na semana passada.

— O financiamento dessas unidades é tripartite. Tem uma parte da verba que é da União, uma do estado e outra das prefeituras. O que a gente vem observando, desde a metade do ano passado, é um atraso por parte do estado na sua contrapartida nesse cofinanciamento — se queixa o prefeito Rubens Bomtempo.

O prefeito acrescenta que há também uma dívida do estado com o município em relação ao custeio de terapia oncológica (R$ 3,9 milhões) e outros programas cofinanciados, como hemodiálise, farmácia básica e saúde mental, que somam R$ 6,6 milhões. Filiado ao PSB, Bomtempo, que quando era deputado estadual fez oposição ao governo Cláudio Castro, teme estar sendo vítima de perseguição política.

— Claro que a gente fica preocupado com a descontinuidade de alguns serviços, que afinal de contas são essenciais para a população e precisamos que o estado cumpra com o município, como está cumprindo com outros — diz o prefeito. — Começamos a achar que isso tudo tem um cunho político eleitoreiro.

Dos R$ 18,7 milhões que a Secretaria municipal de Saúde de Niterói teria que receber, apenas R$ 7,4 milhões foram repassados até agora. Apesar de a prefeitura informar que não interrompeu nenhum serviço, na Policlínica Regional Dr. Guilherme March, no bairro Fonseca (foto da reportagem), que não conta com recursos do estado desde o ano passado, uma funcionária, que preferiu não se identificar, disse que já começam a faltar materiais e insumos, como os utilizados na coleta de sangue.

— Particularmente, não tenho do que me queixar, até porque uso pouco a policlínica e tenho a opção do serviço particular, mas acho a situação preocupante para os moradores da comunidade vizinha, para quem essa é a opção mais próxima da casa — opina o autônomo Fabian Robert Vieira da Cunha, de 61 anos, se referindo, à comunidade do Eucalipto.

Tira daqui, tira dali

Em Campos, o atraso dos repasses tem gerado desafios nas finanças municipais, levando a prefeitura a remanejar recursos de outras áreas para cobrir as despesas com a Saúde.

— Esse valor em aberto tem exigido um ajuste cuidadoso do orçamento, mas estamos trabalhando para assegurar que os serviços de saúde não sejam interrompidos — diz Rodrigo Resende, secretário municipal de Transparência e Controle.

Maricá também confirmou que as verbas do cofinanciamento do estado estão em atraso, sem informar valores. A prefeitura de Angra dos Reis, na Costa Verde, disse que ainda está calculando os valores. Rio das Ostras não revelou de quanto é a dívida total do estado, mas igualmente se queixou da queda nos repasses.

Com informações do GLOBO.

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