*Dom Gílson Andrade

A linguagem bíblica do livro do Gênesis apresenta a criação no ritmo de uma semana. São sete dias que cadenciam o “trabalho de Deus”, sendo que o sétimo, o sábado, é o dia do descanso e da contemplação da realidade criada. Ao concluir tudo o que havia planejado, o Criador lança um olhar positivo sobre o que realizara, vendo que “tudo era muito bom” (Gn 1, 31).
Esta visão positiva sobre o mundo é própria da nossa fé cristã. A criação saiu do coração de um Deus que na história vai revelar sua misericórdia e sua bondade para com as suas criaturas e, em especial, pelo ser humano, “única criatura querida por si mesma”, como lembra o Concílio Vaticano II. São Francisco de Assis, há exatos 800 anos, cantou maravilhosamente essa “fraternidade” que nos liga às criaturas de Deus, chamando-as todas de irmãos e irmãs.
Deus realizou a sua obra de forma harmônica para que no centro do “jardim” estivessem o homem e a mulher para cuidar do criado e cooperar com o Criador. O mundo que Deus sonhou e criou inclui a cooperação da humanidade. Deus não quis fazer tudo sozinho. Além disso, a criação se torna lugar de encontro com Deus e de revelação de seu poder e do seu amor.
Porém, com o pecado rompeu-se aquela harmonia querida por Deus e, consequentemente, as relações entre o homem e a mulher e entre os seres humanos e o restante da criação ficaram prejudicadas. Por isso, quando se fala de conversão é necessário incluir uma nova relação com Deus que renova as relações entre os seres humanos e todas as criaturas.
Oportunamente a Campanha da Fraternidade neste ano nos recorda que a nossa conversão também passa pela superação da indiferença diante do cuidado para com a nossa Casa comum. A “quaresma é um período propício para intensificar o empenho no seguimento de Jesus, a relação fraterna com as pessoas e com o mundo a nossa volta” (Texto-base CF 2025, n. 14). Cada Quaresma para nós é um tempo especial de graça para redirecionar a vida na direção que Cristo nos aponta, o seu Reino. Nesse caminho de redirecionamento e de reorganização da vida interior não podem faltar as relações concretas que fazem parte da vida tanto com as pessoas como com as coisas criadas, toda a criação.
Ao celebrarmos os 10 anos da encíclica Laudato Sì, a Igreja no Brasil nos oferece como tema da Campanha da Fraternidade 2025: Fraternidade e Ecologia integral. Trata-se de uma bela oportunidade para nos comprometermos ainda mais com a obra da criação diante da crise ambiental em que estamos mergulhados. Nossa postura é sempre inspirada na nossa fé. Somos colaboradores do Criador na preciosa obra da criação. É preciso que nos examinemos a fundo sobre como podemos cooperar para superar os desafios neste campo.
Somos daqueles que acreditam na força do grão de mostarda (cf. Mt 13, 31-32). Portanto, é importante valorizar as pequenas ações, conforme nos recorda o Papa Francisco na Exortação Apostólica Laudato Deum: “não há mudanças culturais sem mudança nas pessoas” (n. 70). “Cada pessoa, grupo, instituição, sociedade civil e comunidade política deve fazer a sua parte a começar nesta Quaresma, tempo oportuno para a conversão integral” (Texto-base, n. 42).
Como peregrinos de esperança, colaboradores na obra da criação, trilhemos juntos esse trecho do caminho jubilar, promovendo, como sugere o objetivo geral da CF 2025, “em espírito quaresmal e em tempos de urgente crise socioambiental, um processo de conversão integral, ouvindo o grito dos pobres e da Terra”.
*Dom Gilson é carioca, nascido no Méier e criado em Mendes no sul fluminense. Fez parte do clero de Petrópolis, estudou em Roma e foi bispo auxiliar de Salvador (BA). Nomeado pelo Papa Francisco em 27 de junho de 2018, tornou-se o 6º bispo da Diocese de Nova Iguaçu. Em 2018, durante a 57ª Assembleia Geral da CNBB, foi eleito pelos bispos do Rio de Janeiro como Vice-presidente do Regional Leste 1 – CNBB.