Cidades Ficcionais

Imagem gerada por IA

Parecem ser produto das campanhas eleitorais desenvolvidas nas redes sociais. O que se fala, propõe ou anuncia não precisa ter nenhum vínculo com a realidade. Aliás, quanto mais desconectado dela, melhor. Se o futuro pertence à ficção, por que vinculá-lo a um presente cheio de carências e demandas acumuladas, com soluções tão difíceis que chegam a parecer improváveis?

O discurso político na era digital dá a impressão de se concentrar na chamada “economia da atenção”. Utiliza-se do impulsionamento de mensagens para maximizar o engajamento das pessoas, retendo sua atenção não só para influenciar seu comportamento, mas, principalmente, para moldar suas opiniões. Trata-se, portanto, de um ativo de comunicação valioso, capaz, inclusive, de gerar resultados eleitorais surpreendentes.

Por serem disruptivos, tais discursos tratam de rupturas e interrupções radicais nos sistemas de gestão das cidades. Não deixa de ser sedutora a proposta de romper com o estabelecido para melhorar o que existe, especialmente quando, no modelo vigente, não se consegue suprir as necessidades básicas da população. Isso cria, na verdade, um paradoxo: quanto mais distantes da realidade são as propostas, mais factíveis elas parecem ser.

Ao romper com regras e limites, desrespeitando inclusive a legislação em vigor, as campanhas virtuais agem como se estivessem na “casa da mãe Joana”, onde todos mandam, fazem o que querem e dispensam qualquer organização. Esquecem-se de que a cidade, a polis grega, nasceu e prosperou ao editar regras e impor limites para uma vida em comum civilizada e próspera. Essas regras são, portanto, a essência do viver urbano.

Afinal, foram tais regras e normas que configuraram um sistema de vida capaz de moldar os cidadãos. Vem da Grécia Antiga, por exemplo, a separação entre os espaços de domínio público e privado e o modo como cidadãos e o Estado devem se comportar em cada um deles. Talvez uma das conquistas mais importantes para a prática da civilidade. E essas normas continuarão balizando as relações humanas, inclusive nos ambientes virtuais, apesar dos “piratas da atenção”.

É claro que, durante as campanhas eleitorais, sempre surgem propostas com ares de quimera. Mesmo essas, quando vinculadas à melhoria da realidade concreta, têm algum significado e serventia, pois podem anunciar um futuro possível, ainda que distante. Já aquelas que surgem apenas com o intuito de roubar e reter a atenção das pessoas podem parecer inovadoras, mas, no fundo, não passam de ilusionismo eleitoral.

A cidade exige respeito e pede passagem. O mundo ainda é real.

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade

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