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Celular de miliciano revela conversas de criminoso sobre suspeitos pela morte de Marielle e Anderson, diz MP

Documento levado ao STF e ao TJ-RJ extrai dados de telefone usado pelo miliciano Leandro de Siqueira de Assis, conhecido como Gargalhone, que foi encontrado morto com um tiro na cabeça, em 2023. No aparelho há, segundo o Ministério Público, referências a Ronnie Lessa e aos irmãos Brazão

O miliciano Leandro Siqueira de Assis, conhecido como Gargalhone, foi encontrado morto com um tiro na cabeça, em 2 de maio de 2023, na Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio. Dois anos depois de sua morte, os dados de um dos seus telefones celulares trazem informações sobre a ação da milícia que dominava a comunidade Gardênia Azul, nos anos 2017 e 2018 e, consequentemente, do crime no Rio.

Segundo o Ministério Público, foram encontradas, por exemplo referências a Ronnie Lessa e aos irmãos Brazão, que negam as citações (veja mais adiante na reportagem o que dizem as defesas).

O relatório da Divisão Especial de Inteligência Cibernética, ligada à Coordenadoria de Segurança e Inteligência, do Ministério Público do Rio de Janeiro, de 30 de abril de 2025, foi anexado a dois processos envolvendo o ex-policial Ronnie Lessa:

O documento foi feito com base em um dos celulares, dos três aparelhos, apreendidos com Gargalhone, no momento de sua prisão por policiais da 32ª DP (Taquara), em 26 de março de 2018.

Os telefones se mantiveram apreendidos até a época da delação de Ronnie Lessa sobre as mortes de Marielle e Anderson, em junho de 2024. Na ocasião, Lessa falou que Gargalhone fez o levantamento sobre a placa do veículo utilizado por André Zoio no dia em que ele foi executado. Foi nesse ponto que foi pedida a quebra de sigilo dos aparelhos.

As investigações afirmam que Lessa emparelhou o carro ao veículo onde Zoio estava com a mulher e disparou contra eles.

Os promotores da Força-Tarefa Marielle pediram a quebra de sigilo dos aparelhos em busca de informações sobre o crime.

A extração de dados apresentou bem mais do que era esperado pelos promotores.

Em um dos pontos do documento, o advogado Marcelo Bianchini Penna, que na ocasião trabalhava para os irmãos Domingos e Chiquinho Brazão, troca mensagens com o miliciano Gargalhone. Em 29 de janeiro de 2018, Penna envia para o criminoso dados de sua conta bancária demonstrando, segundo o relatório, estar atuando em defesa de Gargalhone.

Pouco mais de um mês depois, em 24 de fevereiro de 2018, em nova conversa com Gargalhone, Marcelo Penna diz estar com “Dom” e “Chiquinho”. O advogado chama o miliciano para ir ao encontro deles.

Conversa entre o advogado Marcelo Penna e o miliciano Leandro de Assis, conhecido como Gargalhone, em fevereiro de 2018 — Foto: Reprodução
Troca de mensagens entre o advogado Marcelo Penna e o miliciano Gargalhone — Foto: Reprodução

Gargalhone diz que irá até eles e, segundo Penna, “Dom manda abraço”.

O relatório do MP diz que “Dom” é o então conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE), Domingos Brazão e “Chiquinho” é o seu irmão. Domingos e Chiquinho Brazão estão presos acusados de serem os mandantes pelo assassinato de Marielle Franco.

A defesa de Domingos Brazão nega que o conselheiro do TCE seja “Dom” como diz o relatório. Dom, segundo a defesa, “é outra pessoa” e “Domingos Brazão nunca foi chamado assim ou teve esse apelido”. Um dos advogados de Chiquinho Brazão disse que não vai comentar o caso. O advogado Marcelo Bianchini Penna não foi encontrado até o momento.

Chiquinho Brazão e Domingos Brazão, acusados de mandar matar Marielle Franco — Foto: Reprodução

“Quantia do perneta”

No telefone de Gargalhone, os promotores encontraram um contato salvo como “Ruck N”, que, segundo investigadores, é de Otacílio Antonio Dias Júnior, conhecido como Hulkinho.

Hulkinho prestou depoimento como testemunha no STF no processo que apura a morte de Marielle e Anderson. Ele é apontado como o responsável por clonar o Cobalt usado por Lessa na ação que resultou no assassinato da vereadora em 14 de março de 2018.

Otacílio Dias Júnior, o Hulkinho, envia mensagem para Gargalhone sobre Ronnie Lessa querer uma pistola, de calibre 45 — Foto: Reprodução

Em 29 de dezembro de 2017, Hulkinho diz que está na Barra para “pegar seu presente” e que recebeu uma quantia do “Perneta”- como se referem a Lessa. O ex-policial perdeu a perna esquerda em um atentado a bomba, em 2009.

No dia seguinte à conversa, em 30 de dezembro, Otacílio fala a Gargalhone que Lessa quer comprar uma “45”. Para o MP, se trata de uma pistola, de calibre 45.

Em outro momento, um contato salvo como “Braga PM” troca mensagens com Gargalhone sobre invasão de imóveis. Braga sugere que Ronnie Lessa seja acionado sobre a situação.

Os donos da Gardênia

No telefone de Gargalhone, os promotores do MP encontraram capturas de tela de uma conversa entre um casal. Uma mulher envia os prints informando que recebeu o material de um homem, na ocasião casado com a ex-mulher de Gargalhone, sobre quem “mandaria” na Gardênia Azul:

“Girão, Robô, Lessa e Nilson Paraíba” seriam os donos. Gargalhone, segundo os prints, seria empregado deles.

A referência é sobre o ex-bombeiro Cristiano Girão, Wallace de Almeida Pires, o Robocop, chamado na mensagem de “Robô”, Ronnie Lessa, assassino confesso da vereadora Marielle Franco e José Nilson Rogaciano Pereira, o Nilson Paraíba. Desses, Girão, Lessa e Nilson Paraíba estão presos. Robocop foi morto em um bar em 2019.

Print de tela enviada para o celular de Gargalhone por uma mulher em 2018 — Foto: Reprodução
Print enviado por uma mulher ao celular do miliciano Gargalhone sobre chefes na milícia — Foto: Reprodução

O que diz o MP

A assessoria de imprensa do Ministério Público estadual do RJ informou que o relatório foi produzido para buscar elementos para o julgamento de Ronnie Lessa e Cristiano Girão apontados como envolvidos nos homicídios de André Henrique de Silva Souza, o Zóio, e Juliana Sales de Oliveira. Tanto Lessa como Girão foram condenados nesta semana.

O MP nega que tenha ocorrido demora na produção do documento: “embora o celular tenha sido apreendido em 2018, não houve qualquer demora por parte do MPRJ, que, tão logo identificou sua relevância para a investigação, promoveu as medidas necessárias para o afastamento do sigilo e a extração dos dados”. A nota completa do MP está abaixo:

“A Força-Tarefa do Grupo de Atuação Especializada de Combate ao Crime Organizado para o caso Marielle Franco e Anderson Gomes (GAECO/FTMA), do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), informa que o levantamento dos celulares apreendidos com o miliciano Leandro Siqueira de Assis, conhecido como Gargaglione, assassinado em 02/05/2023, e o posterior afastamento do sigilo de dados foram solicitados, respectivamente, em 02/08/2024 e 19/03/2025, com o objetivo de apurar novas circunstâncias e identificar eventuais outros envolvidos nos homicídios de André Henrique de Silva Souza, o Zóio, e Juliana Sales de Oliveira.

Cabe ressaltar que, embora “Gargaglione” tenha falecido, a diligência foi necessária, pois ele, além de notório miliciano da Gardênia Azul, foi apontado pelo réu colaborador Ronnie Lessa como um dos responsáveis por auxiliar na identificação da placa do carro de “Zóio” e do local de sua residência.

Com a devida autorização judicial, obtida por meio de decisões datadas de 21/03/2025 e 28/03/2025, o GAECO/FTMA submeteu imediatamente os três aparelhos celulares recebidos da Polícia Civil à extração de dados, com resultado positivo em um deles. Na sequência, procedeu-se à análise do material, culminando na elaboração do Relatório Técnico DEIC-RT-2025-163, de caráter preliminar, em 30/04/2025.

Assim, embora o celular tenha sido apreendido em 2018, não houve qualquer demora por parte do MPRJ, que, tão logo identificou sua relevância para a investigação, promoveu as medidas necessárias para o afastamento do sigilo e a extração dos dados”.

Marielle Franco e Anderson Gomes — Foto: Reprodução/JN
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