A deputada federal Carla Zambelli (PL-SP) afirmou estar nos Estados Unidos e não ter planos de voltar ao Brasil. Ela foi condenada no mês passado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a dez anos de prisão por invadir os sistemas do Conselho Nacional de Justiça (CNJ).
Nesta quarta-feira (4) o ministro Alexandre de Moraes, do STF, determinou prisão a preventiva da deputada.
O plano dela é de se mudar para a Itália, onde possui cidadania italiana, inicialmente morando em Roma e, depois, no interior do país. Ser reconhecida uma cidadã italiana significa que a deputada tem os mesmos direitos e deveres de um italiano nato, seguindo a legislação daquele país, ao mesmo tempo em que continua sendo uma cidadã brasileira.
Zambelli afirmou que está no país norte-americano tratando uma condição de saúde. A assessoria de imprensa dela não informa quando a deputada pretende sair dos Estados Unidos e ir para a Itália, nem confirma sua localização exata nos Estados Unidos. Um youtuber brasileiro identificou, usando técnicas de geolocalização em um vídeo que a parlamentar postou, que ela estaria em Fort Lauderdale, no sul da Flórida.
Segundo o G1, ela deixou o País pela Argentina, fronteira que pode ser atravessada sem o aviso de saída às autoridades brasileiras, em função do acordo do Mercosul. De lá, ela teria pego um voo para os Estados Unidos. A assessoria da deputada diz que “não tem informações sobre a localização” da deputada.
Possível prisão nos EUA ou na Itália
O plano de ir para Itália envolve o fato de a parlamentar ter cidadania no país europeu e acreditar que lá ela estará imune às leis brasileiras. “Eles vão tentar me prender na Itália, mas eu não temo, porque sou cidadã italiana e lá eu sou intocável, a não ser que a justiça italiana me prenda”, disse a deputada em entrevista à CNN Brasil, na terça-feira (3).
Em qualquer um dos dois países, no entanto, Zambelli pode ser presa, embora nos Estados Unidos o processo deve ser menos burocrático, já que a cidadania que a deputada tem é a italiana. A explicação é do doutor em Direito Constitucional e em Direito de Estado e Justiça Social Fernando Capano.
“Os Estados Unidos mantêm convênio e termo de cooperação com o Brasil no sentido de, eventualmente, extraditar não-cidadãos que estejam em território norte-americano para responder a condenações, especialmente as transitadas em julgado, por condutas praticadas em ambiente ou sob jurisdição brasileira”, explica.
No caso da Itália, o país tem a tese, por regra constitucional, de não extraditar nacionais, salvo alguns cenários específicos. “O problema é que há precedentes no sentido de permitir essa extradição, na lógica que eles chamam de ‘cidadania prevalente'”, diz Capano.
Como exemplo, o especialista citou o caso do ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato, condenado no julgamento do mensalão, que também tem dupla cidadania e foi extraditado da Itália para o Brasil em 2015, e que poderá ser usado como precedente.
“As Cortes italianas, a pedido do Brasil, consideraram a chamada ‘cidadania prevalente’ no sentido de que, ainda que ela tenha essa possibilidade de ser uma cidadã italiana, prevalece a condição brasileira”, explica, afirmando que o mesmo ocorreu no caso de Pizzolato.
Já quanto aos Estados Unidos, o tratado que detalha as condições e procedimentos para a extradição recíproca de brasileiros e norte-americanos é de 1965, e lista uma série de crimes praticados, abrangendo desde furto e falsificação, bigamia (mais de um casamento simultâneo), uso de explosivos, até crimes relacionados a narcóticos e tráfico de pessoas.
Zambelli foi condenada pela Primeira Turma do STF a dez anos de prisão, em regime inicial fechado, e à perda do mandato parlamentar pela invasão hacker aos sistemas do CNJ. Os crimes pelos quais ela deve cumprir pena são invasão de dispositivo informático e falsidade ideológica.
Um dos crimes previstos no tratado é o de “falsificação por fabricação ou alteração, furto ou destruição de atos oficiais, livros de registro ou documentos públicos do Governo ou da autoridade pública, inclusive órgãos judiciários, ou a emissão ou o uso fraudulento dos mesmos”.
Capano ainda explica que a lista de crimes prevista no Tratado de Extradição entre Brasil e Estados Unidos é exemplificativo, e não taxativo.
“O Artigo II do tratado traz uma lista de infrações extraditáveis, mas é possível compreender que a extradição não se limita apenas aos crimes ali descritos”, explica Capano, destacando que o texto não usa termos como “somente”, “exclusivamente” ou “apenas”. Segundo ele, o texto admite variações normativas nos dois países, desde que o fato seja considerado crime por ambas as legislações, com pena superior a um ano.
Como funciona o processo de extradição
Para que Zambelli seja extraditada, o Ministério da Justiça deve receber do Poder Judiciário a documentação relativa ao pedido de extradição. Cabe ao Departamento de Recuperação de Ativos e Cooperação Jurídica Internacional da Secretaria Nacional de Justiça e Cidadania realizar a análise de admissibilidade da documentação. Em caso positivo, o pedido será encaminhado ao Ministério das Relações Exteriores ou à autoridade central estrangeira, para ser formalizado ao país onde se encontra o foragido da Justiça brasileira.
A Justiça poderá solicitar ao país em que ela estiver sua prisão preventiva para fins de extradição. O pedido deve ser encaminhado pelo STF, responsável pelo caso, ao Ministério da Justiça. A pasta o encaminhará pela via diplomática ou diretamente pela autoridade central.
Antes disso, a inclusão de mandado de prisão na difusão vermelha da Interpol deve ser feita. No caso de Zambelli, Moraes já solicitou a inclusão. O sistema serve para alertar as polícias de todos os países membros sobre fugitivos procurados internacionalmente, mas não equivale a um mandado de prisão.