
Leão XIV, nos seus primeiros dias como Papa e, sobretudo, na homilia de início do seu Pontificado, já sinalizou várias questões importantes: a Igreja é servidora de Jesus Cristo e do Evangelho para a vida do mundo.
*Cardeal Odilo Pedro Scherer
Vivemos os primeiros dias do Pontificado de Leão XIV e as atenções do mundo voltam-se para ele, para o conhecer e perceber o que vai mudar na Igreja. O momento se presta para uma reflexão sobre a Igreja e a missão do Papa. Foi também isso que fizeram os cardeais, antes do início do conclave, durante as reuniões do Colégio Cardinalício.
Afinal, o que é a Igreja e para que ela existe? Em breves palavras, a Igreja é a comunidade dos discípulos de Jesus Cristo, que O acolhem pela fé como Filho de Deus e Salvador e têm no Evangelho sua norma de vida. Ela é, em primeiro lugar, a comunidade dos batizados, que professam a fé comum e procuram testemunhar essa fé na fidelidade coerente a Jesus Cristo e no testemunho da vida que se orienta pela Palavra de Deus. Ao mesmo tempo, toda pessoa é destinatária do Evangelho e da missão da Igreja, mesmo se ainda não aderiu à fé pelo batismo.
A Igreja é esse povo de Deus, agraciado por imensas graças e dons, vivendo na história e participando da construção do mundo, buscando orientar a vida pessoal e social, a vida econômica, política e cultural, em conformidade com o Evangelho do Reino de Deus, que é um bem para todos, para quem crê e, também, para quem não crê. Este povo de batizados, de discípulos missionários de Jesus Cristo, também está organizado na instituição eclesial, como acontece com os membros de um mesmo corpo, para melhor viver a comunhão e expressar na vida o testemunho da fé, esperança e caridade. É um povo servidor de Deus, do próximo e do mundo, no qual existem múltiplos carismas, entre os quais também os do serviço hierárquico. E não se deve esquecer que também os Santos e todos os redimidos, que já participam da vida eterna feliz no céu, fazem parte da Igreja. A invocação dos Santos com o canto das ladainhas, na procissão solene de entrada dos cardeais para a Capela Sistina, lembrou bem isso: com os Santos do céu, nós, na terra, somos uma única Igreja.
Muitas vezes, após o conclave, foi feita esta pergunta: o que vai mudar na Igreja com o novo Papa? Na sua primeira fala aos cardeais, ainda reunidos na Capela Sistina, Leão XIV observou que o Papa, assim como todos os cardeais e cada um dos batizados, é um servidor de Jesus Cristo e do Evangelho. Ele é o primeiro servidor da Igreja e de sua missão e lhe deve ser fiel, dedicando-se inteiramente para que ela cumpra sua missão no mundo. O Papa não muda a Igreja, naquilo que constitui a essência dela. Bento XVI disse, certa vez, que o Papa não é um plenipotenciário, que governa a Igreja como quer, sem obedecer a ela. Ele é o sucessor de Pedro e, mediante sua eleição, recebeu a missão e o “carisma petrino”.
Significa, então, que nada muda na Igreja com a eleição do novo Papa? Por certo que não. À frente da Igreja, agora, está a pessoa do Papa Leão XIV e sua formação pessoal, teológica e cultural, sua sensibilidade diante das situações eclesiais e sociais, sua disponibilidade para ouvir, dialogar e indicar caminhos para a Igreja e o mundo contam muito. A mesma missão que Jesus conferiu a Pedro é exercida, agora, por Leão XIV, com o jeito de Leão XIV, assim como foi exercida antes por Francisco, Bento XVI, João Paulo II… A natureza e a essência da Igreja não mudam, mas os enfoques pastorais, as sensibilidades, as urgências a serem tidas em conta podem mudar. E é bom que seja assim, pois a Igreja, como dizia Francisco, não é uma “realidade arqueológica” e seu ensinamento não é um patrimônio de museu, mas é uma realidade viva e sempre encarnada na história e na vida da humanidade.
Leão XIV, nos seus primeiros dias como Papa e, sobretudo, na homilia de início do seu Pontificado, já sinalizou várias questões importantes: a Igreja é servidora de Jesus Cristo e do Evangelho para a vida do mundo; Jesus Cristo deve ser o centro de referência da Igreja, que precisa renovar-se no espírito do Evangelho e na ação missionária; a Igreja Católica segue adiante, conforme as diretrizes do Concílio Vaticano II; ela precisa avançar na vivência da sinodalidade; todos os católicos são convidados a se renovar no testemunho da fé, esperança e caridade, e na comunhão da Igreja. Os pobres, migrantes, discriminados por qualquer motivo e os excluídos do bem comum devem receber as atenções especiais da Igreja; a paz no mundo e a superação dos conflitos, mediante o diálogo e a construção de pontes, fazem parte da missão da Igreja, bem como o cuidado da vida humana, da natureza e do ambiente da vida.
É bom lembrar que a Igreja não depende apenas do Papa, mas também de todos os batizados, especialmente dos bispos em comunhão com ele. Além de ser sucessor de Pedro, Leão XIV também tem a missão de Paulo e, na Igreja, ele é o primeiro missionário, devendo ajudá-la a se assumir como comunidade missionária no mundo inteiro. Muda o Papa, mas a missão da Igreja permanece a mesma.
* Odilo Pedro Scherer é um cardeal brasileiro, décimo nono bispo de São Paulo, sendo seu sétimo arcebispo e quinto cardeal. Atualmente exerce também a função de Grão-Chanceler da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo