Uma guerra total entre Israel e o Irã parece iminente. O homem que poderia impedi-la é o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Sua impotência, porém, não tem precedentes
Jean Jaurés (1859-1914) era um liberal radical que se tornou socialista, integrando a ala direita do Partido Socialista Francês. Em 1897, com Émile Zola e Georges Clemenceau, liderou a campanha em favor de Alfred Dreyfus, o capitão francês injustamente acusado de espionagem pelo alto comando do Exército francês por ser judeu. Sempre defendeu a aproximação entre a França e a Alemanha para garantir a paz na Europa. Era um pacifista, precursor de Mahatma Gandhi (“Posso até estar disposto a morrer por uma causa, mas nunca a matar por ela!”) e Martin Luther King (“Sempre e cada vez mais devemos nos erguer às alturas majestosas de enfrentar a força física com a força da alma”).
Jaurés foi assassinado no dia da declaração da guerra, 31 de julho de 1914, por Raoul Villain, um nacionalista fanático. Foi o principal líder da II Internacional a defender a paz. Quase todos os demais apoiaram a entrada dos seus países na guerra, a começar pelos dirigentes da poderosa Social-Democracia Alemã, que estava no poder. Com exceção de Vladimir Lênin, que defendeu a paz para derrubar a autocracia czarista.
Gandhi e King foram igualmente assassinados. É o caso também do líder que quase conseguiu a paz entre judeus e palestinos: Yitzhak Rabin. Outra vez, o algoz foi um ultranacionalista: o judeu Yigal Amir. Em 4 de novembro de 1995, com dois tiros certeiros, matou o homem e a ideia que defendia: israelenses e palestinos terem uma paz duradoura.
Dois anos antes, Rabin, então primeiro-ministro israelense, e Yasser Arafat, líder da Organização para a Libertação da Palestina (OLP), apertaram as mãos e sorriram durante a assinatura dos Acordos de Oslo, patrocinados pelo presidente Bill Clinton. Esses acordos despertaram uma pequena luz no fim do túnel no conflito que os atingiu por décadas, também desencadeou uma onda de violência e ódio tanto entre a direita israelense quanto entre radicais do grupo islâmico Hamas.
Desde a Guerra dos Seis Dias, com seus vizinhos árabes, Egito, Síria e Jordânia, da qual foi vencedor, Israel ocupa as áreas da Faixa de Gaza, da Cisjordânia, das Colinas Golã e a parte oriental da cidade de Jerusalém. Nunca houve uma paz verdadeira na região. Os palestinos vivem como párias. Em termos geopolíticos, porém, os Acordos de Oslo permanecem sendo a chave para a solução de dois Estados, Israel e a Palestina, com fronteiras reconhecidas internacionalmente.
É um sonho cada vez mais distante. Uma guerra total entre Israel e o Irã parece iminente. O homem que poderia impedi-la é o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden. Sua impotência diante do que está acontecendo no Oriente Médio não tem precedentes. Na Assembleia Geral da ONU, Benjamin Netanyahu ameaçou o Irã e anunciou a escalada das ações israelitas contra o Hezbollah no Líbano. Mostrou um mapa do que seria a “maldição” de uma guerra contra o Irã. No mapa, porém, Cisjordânia e Gaza aparecem como território israelense.
Poder nuclear
Diante de suas sucessivas recusas às propostas de paz dos Estados Unidos, Netanyahu mostra que a escalada no Líbano é parte de uma estratégia de guerra total contra seus adversários na região, principalmente o Irã. Biden é contingenciado pela sombra do verdadeiro aliado do primeiro-ministro israelense, o ex-presidente Donald Trump. O poder nuclear de Israel é um segredo de polichinelo.
Voltemos à I Guerra Mundial, que durou de 1914 a 1918. Foi uma tragédia para humanidade, pois viria a desaguar na II Guerra Mundial. Liberais e conservadores foram confrontados pelo fascismo e pelo nazismo, enquanto social-democratas e comunistas se digladiavam. Esse processo resultou de forças muito superiores à capacidade de um só homem: a fusão do capital financeiro com o capitalismo industrial, na virada para século 20, e a expansão territorial das potências europeias em direção à Ásia, à África e à Oceania.
O estopim da I Guerra foi o assassinato do arquiduque Francisco Ferdinando, herdeiro do trono da Áustria-Hungria, em 28 de janeiro de 1914, em Sarajevo, capital da Bósnia, por um militante da organização terrorista Mão Negra, de nacionalistas sérvios. As alianças de Áustria e Sérvia entraram em ação, o conflito envolveu todas as potências da época. Ao longo da guerra, o uso de novas armas, como o gás tóxico, e de invenções como o avião, aumentaram a tragédia.
Em 1989, Francis Fukuyama publicou o artigo “O Fim da História?”, na revista The National Interest, segundo o qual a dissolução da União Soviética e, consequentemente, o fim da Guerra Fria, eram a vitória do ideal da democracia ocidental sobre o mundo. O liberalismo e a democracia seriam os eixos de um “Estado homogêneo universal”. Essa tese está à prova faz tempo.
Ninguém sabe o desfecho da crise de Israel com o Irã. Netanyahu é audacioso, implacável e sagaz. Acuado internamente por causa de Gaza, viu no confronto com o Hezbollah, no Líbano, uma oportunidade de confrontar o Irã e arrastar os EUA para o conflito, com objetivo de consolidar a hegemonia política de Israel em todo o mundo árabe, pela força militar. Aliados do Irã, Rússia e Coreia do Norte pouco podem fazer. A China não se mete, só observa.
A Marcha da Insensatez (Editora José Olympio), da escritora Barbara W. Tuchman, mostra como decisões erradas dos governantes voltaram-se contra seus próprios interesses, da Guerra de Troia à do Vietnã. Diante da ideologia e dos interesses mais mesquinhos, como na I Guerra Mundial, a razão foi impotente. A paz perdeu.
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*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, é colunista do Correio Braziliense.