Com pouco mais de 30 milhões de descendentes de italianos, o Brasil tem uma das maiores comunidades de oriundi do mundo. Por isso mesmo, tem repercutido bastante no país uma mudança na legislação que vem sendo debatida nos gabinetes de Roma, que altera de maneira radical a lei que permite a concessão de cidadania para descendentes.
O projeto de lei 36/2025, também conhecido como Lei Tajani (em referência ao ministro das Relações Exteriores da Itália, Antonio Tajani), propõe que se reduza a filhos e netos de italianos a possibilidade de pedir a cidadania, entre outras coisas. Em vigor desde 28 de março, o decreto emitido pelo governo italiano está sendo debatido pelo Senado daquele país, que deverá emitir um parecer nesta quarta-feira (14/5) sobre o assunto. O texto final, com possíveis mudanças, passará então para o Parlamento onde, caso aprovado em definitivo, virará lei.
Apesar de encontrar eco em parte da sociedade italiana, especialmente na extrema-direita, as alterações propostas pelo governo são inconstitucionais, de acordo com diversos juristas. A alegação é que a restrição imposta pela nova lei contrariam a jurisprudência adotada amplamente nas últimas décadas, que reconhecem a cidadania iure sanguinis (“por sangue”) de descendentes de italianos com muitas gerações de distância.
— Essa mudança praticamente acaba com a possibilidade de solicitar a cidadania italiana pelas vias administrativas, ou seja, através dos consulados. Com isso, para a maioria dos descendentes, será necessário apelar para a via judicial. Contudo, acredito que a cidadania continuará sendo reconhecida pelos tribunais porque essa medida do governo é inconstitucional e vai contra a jurisprudência já existente no país, que reconhece o descendente como um cidadão italiano desde seu nascimento —explica o advogado Vagner Cardoso, responsável pela Terra Nostra, uma assessoria jurídica especializada em processos de cidadania italiana, espanhola e portuguesa.
— Se há um conselho claro neste momento, é este: inicie agora. Com o aumento inevitável dos processos, os tribunais italianos ficarão cada vez mais sobrecarregados e esperar só significará enfrentar filas maiores e prazos mais longos — acredita Mariane Baroni, sócia da consultoria Master Cidadania.
O que muda com a nova lei
A lei antiga previa que descendentes de qualquer pessoa que tivesse saído da Itália após março de 1861 (data da criação do Reino da Itália) teria direito automático à cidadania do país europeu independente da distância geracional, desde que conseguisse comprovar a ligação de parentesco por meio de documentação válida (em geral, certidões de nascimento, casamento ou óbito).
Com a nova lei, apenas filhos ou netos de um cidadão italiano podem pedir o reconhecimento da cidadania. Essa limitação deixa de fora, por exemplo, bisnetos, trinetos e tataranetos de imigrantes. Além disso, caso o descendente consiga a cidadania, ela não pode mais ser passada adiante para seus herdeiros, como acontecia anteriormente.
A nova lei determina também um aumento no rigor na análise dos documentos apresentados pelos solicitantes, e que os processos não sejam mais tocados pelos consulados e sim por escritório que centralizará as demandas, mas que ainda não foi criado.
Numa segunda etapa da aplicação da lei, está previsto que as pessoas, para manter sua cidadania, terão que exercer deveres de cidadãos pelo menos uma vez ao longo de 25 anos, no entanto, não há maiores informações sobre como isso será feito.
Quais são os documentos necessários
A nova lei não apresenta mudanças em relação aos documentos exigidos para o processo de obtenção da cidadania italiana. Continua sendo primordial a apresentação de documentos que comprovem a nacionalidade do antepassado italiano, como certidão de nascimento, de casamento ou óbito. Para esse tipo de situação, muita gente precisa recorrer a uma pesquisa genealógica, buscando os documentos originais na região de onde o antepassado saiu.
Também é preciso apresentar documentação que comprove a relação entre o antepassado italiano e o solicitante, que também costumam ser certidões de nascimento, casamento ou óbito. Quanto mais distante estiver na linha da ancestralidade, maior a quantidade de documentos necessários: o solicitante que é, por exemplo, bisneto de italianos, precisa ter a documentação de seus pais, avós e bisavós.
Os documentos não podem ter incoerências entre si, como trocas de nomes, grafias e local de nascimento, algo muito comum em registros de imigração muito antigos. Caso haja informações desencontradas, é possível pedir retificações judiciais ou administrativas, o que representa mais demora ao processo. Antes de ser enviado às autoridades do país europeu, esse material também precisa passar por tradução juramentada para o italiano e combinado seguindo as normas da Convenção da Apostila de Haia.
Com informações do O Globo