
Recentemente, a CBIC (Câmara Brasileira da Indústria da Construção) lançou um documento intitulado Reabilitação de Áreas Urbanas Centrais, com o objetivo principal de sensibilizar governos e empresas para a necessidade de promover um grande esforço nacional visando à requalificação dos centros urbanos e à recuperação de edifícios nas grandes cidades. A partir de experiências exitosas em curso no Rio de Janeiro, Recife, Salvador e São Luís, o estudo destacou desafios, oportunidades e a complexidade presentes em iniciativas dessa natureza.
O deslocamento de atividades comerciais, institucionais e de prestação de serviços para fora dos centros, assim como o de moradores, tem, segundo o documento, causas semelhantes. A sensação de insegurança, as dificuldades de mobilidade, o aumento da população em situação de rua, os shopping centers, o comércio online e o trabalho remoto são fatores destacados como responsáveis pelo esvaziamento econômico e populacional dos centros urbanos. A pandemia também contribuiu para esse declínio.

Apesar de, neste ano, comemorar-se o cinquentenário do calçadão de Curitiba, e de o tema da revitalização das áreas centrais frequentar a agenda política das principais cidades brasileiras desde meados dos anos 1980, só recentemente vêm sendo obtidos resultados concretos e animadores de reversão do esvaziamento de alguns centros urbanos. Ainda é difícil, porém, conter a tendência expansionista das cidades rumo às periferias. Enquanto isso, segundo o documento da CBIC, cerca de 3 milhões de pessoas deixaram de viver nos centros.
É inegável que, nas áreas centrais, as pessoas têm mais possibilidades de acesso à infraestrutura e aos serviços públicos, além de mais chances de obter emprego ou renda. Vivendo nelas, também se reduzem as necessidades de deslocamentos e todos os seus impactos. O documento da CBIC, a partir das experiências avaliadas, tenta demonstrar que é necessário pensar diferente para se obter resultados diferentes e efetivos. Acreditar, de fato, que as cidades podem se reinventar.

Os processos de revitalização urbana nas cidades citadas no estudo apontam importantes barreiras no esforço de tentar revigorar suas áreas centrais: a falta de uma legislação que permita a conversão de uso para residencial em condomínios estabelecidos; a necessidade de adequação dos planos diretores, dos códigos de obras e de algumas normas técnicas; e a dificuldade de se obter financiamento para retrofit, configuram os principais gargalos a serem destravados.
O documento destaca ainda a importância dos incentivos fiscais e urbanísticos na atração de investidores para as áreas centrais decadentes — em alguns casos, estigmatizadas. É necessário, segundo os testemunhos dos líderes dos projetos de revitalização em destaque no estudo, transformar a recuperação do centro principal no novo vetor do mercado imobiliário, contendo sua expansão para as periferias. Ter senso de urgência na implantação dessa diretriz é imprescindível.

Segundo o estudo, o centro principal das cidades médias e grandes deve ser um lugar bom para morar, trabalhar, fazer negócios, consumir, obter serviços, se divertir, encontrar pessoas, circular e flanar nas horas vagas. Para tanto, é imperioso aumentar a densidade de ocupação de seus espaços, tanto de forma permanente quanto transitória, utilizar plenamente a infraestrutura e os equipamentos públicos nele instalados e fazer da Cultura a impulsionadora dos negócios.
A receita para a ressignificação das áreas centrais está dada. Os resultados concretos começam a aparecer. O que continua em falta é a vontade de fazer acontecer.

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade