Desperdício Zero

Imagem gerada por IA

Quase a totalidade do que é consumido pelo metabolismo da vida nas cidades é descartado em forma de dejetos em até seis meses. O pior é que uma parte considerável desses rejeitos, cerca de um terço, poderia ser reciclada, gerando novas oportunidades de negócios e trabalho por meio da recuperação de recursos que não precisariam mais ser extraídos da natureza, seja pela mineração ou outras formas de extrativismo. Quando não se aproveitam as riquezas presentes no lixo, enterrando-as, realizam-se despesas inúteis e injustificáveis.

Há casos concretos onde a decisão política e o envolvimento da população romperam com essa lógica de desaproveitamento de recursos, cada vez mais escassos ou cuja obtenção gera forte impacto ambiental. Refiro-me a São Francisco, nos Estados Unidos, uma cidade que recicla mais de 80% do lixo que produz, sendo referência mundial em reciclagem de resíduos urbanos.

A receita de sucesso de São Francisco e de outras poucas cidades nesse nível de cuidado com os rejeitos parece atender a um binômio: o uso de novas tecnologias e a promoção de mudanças no comportamento da população. Esses exemplos demonstram que o êxito de um programa de reciclagem depende da capacidade dos governos locais em estimular comportamentos pró-ativos e benéficos dos moradores em relação ao descarte do lixo, sobretudo o reciclável.

Por aqui, estamos muito distantes desse patamar de civilidade e de atitude responsiva em relação ao meio ambiente. Na região metropolitana do Rio de Janeiro, por exemplo, depositamos diariamente entre cinco e seis mil toneladas de material reciclável misturado ao lixo em aterros sanitários. Um desperdício impressionante de recursos e de dinheiro público, fruto de uma combinação de falta de interesse político com o baixo nível de consciência da população. Todos perdemos.

Parece um interminável jogo de empurra, que lembra a propaganda de um biscoito famoso que não sabia se vendia mais por ser fresquinho ou se era fresquinho porque vendia mais. Claro que a responsabilidade maior é, indiscutivelmente, dos governos. No entanto, há exemplos muito interessantes de iniciativas do terceiro setor, que contribuem para a mudança do comportamento da população em relação ao destino do próprio lixo. É preciso tirar os cidadãos do “piloto automático” na condução de seus atos cotidianos, especialmente os que impactam a coletividade.

Essa prática tem custos logísticos consideráveis, envolvendo cerca de 150 carretas, que realizam de três a quatro viagens por dia transportando materiais recicláveis como lixo para os aterros sanitários da região. A esses custos, somam-se os gastos das prefeituras para enterrar essas riquezas. Se considerarmos ainda o valor de mercado dos materiais recicláveis desperdiçados, chega-se à impressionante cifra de 1 bilhão de reais por ano literalmente jogados no lixo.

Esse desperdício equivale ao orçamento anual de municípios como São João de Meriti e Belford Roxo, que possuem quase 500 mil habitantes. Promover o “desperdício zero” poderia ser um objetivo comum dos prefeitos metropolitanos recém-empossados. Sonhar não custa nada.

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, é autor dos livros Prosa Urbana e Tempo de Cidade

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