*Luiz Carlos Azedo
Existe um caldo de cultura favorável à proposta na opinião pública, por causa de decisões polêmicas de ministros, sobretudo em processos criminais
O resultado geral das eleições municipais — mostram um inequívoco fortalecimento das forças de centro-direita e direita do Congresso, na primeira semana após o primeiro turno —, abriu caminho para uma nova ofensiva dos deputados ligados ao ex-presidente Jair Bolsonaro com objetivo de limitar os poderes monocráticos dos seus ministros, aprovar o seu impeachment e até mesmo suspender decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).
Nesta quarta-feira, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara dos Deputados deu aval a duas propostas de emenda à Constituição (PECs) com esse objetivo. Presidida por Caroline de Toni (PL-SC), bolsonarista raiz, e sob relatoria de Filipe Barros (PL-PR), líder da oposição, a comissão atua como um rolo compressor contra o governo Lula e, agora, se volta contra o Supremo. PL, Novo, União Brasil, PP e Republicanos formam maioria na comissão, na qual os partidos de esquerda têm apenas 16 deputados.
A CCJ aprova a admissibilidade das matérias, sem discutir seus conteúdos, mas isso abre espaço para o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), encaminhar as propostas ao plenário para votação, tão logo tenha um parecer da comissão especial que analisa o mérito das propostas. São necessários 308 deputados para as PECs em plenário, em duas sessões. Lira está com a faca e o queijo na mão, porque a decisão de pautar a matéria é monocrática. Eventualmente, o atual presidente da Câmara maneja essa prerrogativa como instrumento de barganha junto aos demais Poderes.
Há no Congresso um ambiente muito desfavorável ao Supremo. Além de uma correlação de forças na qual a direita é majoritária, existe o xadrez das articulações para a presidência da Câmara e do Senado, nas quais as duas propostas viraram moeda de troca para a ala ligada ao ex-presidente Bolsonaro apoiar Davi Alcolumbre (União-AP), no Senado, e Bruno Mota (Republicanos-PB), candidato de Lira na Câmara. Neste fim de ano, após as eleições, essas articulações serão ainda mais intensas.
A PEC das decisões monocráticas foi aprovada pelo Senado em novembro de 2023. Estava empacada na Câmara, desde agosto, mas agora voltou a tramitar, tendo recebido apoio de 39 deputados na CCJ, contra 18 contrários. A principal motivação dos deputados é impedir que ministros do Supremo sustem a eficácia de leis; ou suspendam atos do presidente da República ou dos presidentes da Câmara, do Senado e do Congresso.
Decisões individuais que suspendem leis continuarão permitidas durante o recesso do Judiciário em casos de “grave urgência ou risco de dano irreparável”. Além do STF, as mudanças promovidas pela PEC serão estendidas a outras instâncias do Judiciário. Estabelece que, neste caso, caberá ao presidente do tribunal tomar a decisão monocrática. E que, no retorno dos trabalhos, a medida precisará ser referendada pelo plenário do tribunal em até 30 dias.
Usurpação
A PEC também muda o rito de análise de três tipos de ações de competência do Supremo Tribunal Federal: as Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC), as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) e as Ações Diretas de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO). Nesses casos, quando houver pedido de liminar, que antecipa decisões para garantir direitos, os ministros do Supremo deverão seguir os critérios estabelecidos para decisões monocráticas.
O mérito da medida precisará ser analisado em até seis meses. Depois desse prazo, o caso entrará automaticamente na pauta do plenário do STF e terá prioridade sobre os demais processos. A suspensão da análise de propostas no Legislativo e decisões que afetem políticas públicas e criem despesas para qualquer Poder serão submetidas aos mesmos critérios.
A proposta que permite ao Congresso Nacional suspender decisões do STF, caso considere que as medidas avançaram a “função jurisdicional” da Corte ou inovaram no ordenamento jurídico, foi aprovada por 38 votos a 12. A derrubada de uma decisão seria aprovada com os votos de dois terços dos membros da Câmara (342) e do Senado (54) e teria validade por quatro anos. A proposta prevê a possibilidade de uma reação do STF, que poderia revalidar suas decisões suspensas pelos congressistas, desde que nove ministros do STF votem pela manutenção da medida.
A proposta é flagrantemente inconstitucional, porque transforma o Congresso em Corte revisora das decisões do Supremo, cujo nome já diz, é quem dá a palavra final. A proposta de revalidação é marota, porque uma minoria de três ministros alinhados com o Congresso sufocaria a maioria da Corte, o que rompe com o equilíbrio entre os Poderes. A oposição se mobiliza também para aprovar uma anistia para o ex-presidente Jair Bolsonaro, que está inelegível por crime eleitoral, e os envolvidos nos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023.
*Luiz Carlos Azedo, jornalista, é colunista do Correio Braziliense.
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