Quase 30 anos após a criação da primeira lei no Brasil que instituiu cotas de gênero nas candidaturas do Poder Legislativo, a representatividade feminina nas câmaras municipais ainda é insatisfatória, especialmente no Rio. Embora 54% do eleitorado fluminense seja composto por mulheres, o estado registrou, nesta última eleição, a menor proporção de vereadoras eleitas do país: apenas 10%. Em contraste, Roraima, que lidera o ranking nacional, alcançou 25%, enquanto a média geral foi de 18%.
Devido a mudanças na população constatadas pelo Censo de 2022, o número de vereadores nos 92 municípios do Rio aumentou em relação a 2020: foram 23 vagas a mais, totalizando 1.208 cadeiras em disputa. Nem isso fez com que mais mulheres chegassem às câmaras: apenas 117 vão ter mandato na próxima legislatura, duas a menos que na última eleição.
O abismo na capital é um pouco menor: 23,5% dos eleitos são do sexo feminino. Ainda assim, a cidade é somente a sétima no ranking fluminense. Na Câmara do Rio, a próxima legislatura terá 12 vereadoras, uma a mais que o quadro atual. A mais longeva é Rosa Fernandes (PSD), que foi reeleita para seu nono mandato. Ela conta que, no início, as pessoas prestavam mais atenção em suas roupas, maquiagem e cabelo.
— Era um negócio muito estranho. Quando percebi isso, passei a subir na tribuna e só falar quando todo mundo se calasse, porque todos ficavam conversando e ninguém prestava atenção quando uma mulher discursava. A questão do fundo eleitoral fortalece e ajuda a mulher a ter uma estrutura que geralmente não teria. E, quanto mais mulheres nos debates públicos, mais chama a atenção de outras a participarem da política — disse Rosa.
Recursos para elas
Esta foi a segunda eleição com regras em vigor que estabelecem repasse mínimo de recursos do fundo eleitoral para as candidaturas femininas. Em 2020, o TSE determinou que pelo menos 30% da verba dos fundos eleitoral e partidário devem financiar candidatas e que o mesmo percentual deveria ser aplicado ao tempo de propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão. Antes da mudança, os partidos já precisavam lançar, no mínimo, 30% de mulheres nas nominatas a vereador e deputado.
Ana Paula Conde, professora do Departamento de Ciências Sociais da PUC-Rio, diz que as cotas de gênero não são cumpridas por boas parte das siglas e que não é feito um trabalho para a inserção das mulheres em espaços de destaque. Conde alega que a participação desse grupo é subestimada.
— Cerca de 700 municípios em todo o Brasil não cumpriram com o mínimo de candidaturas femininas este ano. Nós temos a lei das cotas, que é fundamental, mas isso não basta se tivermos uma sociedade desigual e que não valoriza a participação das mulheres. Temos que considerar também que, quando essas mulheres são lançadas, muitas não têm uma carreira política e não recebem a orientação devida para ganhar força em suas campanhas — afirma.
Domínio de homens
Dos 92 municípios fluminenses, 29 não elegeram sequer uma mulher, ou seja, elas estão fora de 31% do total de colégios eleitorais. Entre as cidades onde não há representatividade feminina estão Nova Iguaçu, Itaboraí, São João de Meriti, Mesquita, Paraty e Cabo Frio. E cinco desses municípios com câmaras totalmente masculinas terão mulheres como prefeitas. Em Japeri, na Baixada Fluminense, Fernanda Ontiveros (PT) vai para seu segundo mandato à frente da prefeitura só com homens na Câmara Municipal. Ela foi a primeira mulher eleita para o cargo na cidade e acreditava que o Legislativo teria, no ano que vem, sua primeira vereadora da história, o que não ocorreu.
— Eu mesma tentei ser vereadora por três vezes no município e não consegui. A falta de mulheres nos espaços de poder limita a diversidade de olhares e opiniões em torno de questões fundamentais para a cidade — diz a prefeita, ressaltando que não há um conflito com os vereadores por questão de gênero, apenas é uma “lacuna” a ser preenchida.
Predomínio da direita
Os dados do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) mostram que a sigla que mais elegeu mulheres nas câmaras fluminenses este ano foi o PL, legenda do ex-presidente Jair Bolsonaro, com 14 cadeiras. O cientista político Márcio Malta, da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que esse resultado reflete um perfil mais conservador do Estado do Rio. O especialista aponta que muitas mulheres se desvincularam de um discurso mais nichado, voltado para o gênero, e adotaram abordagens amplas para conquistarem um eleitorado maior:
— Essas mulheres de direita não necessariamente vão defender pautas ligadas ao gênero, o que mostra o perfil mais conservador do estado — explica.
Uma das eleitas do partido é a advogada Alexandra Moreira, a mais votada para a Câmara de Quissamã, no Norte Fluminense. Ela credita esse bom desempenho à participação da ex-primeira dama Michelle Bolsonaro, que está à frente do PL Mulheres. Alexandra cobra uma maior atuação da classe política para preparar as meninas:
— Infelizmente a participação da mulher na política é pífia, e quase não existe esse entendimento de que mulheres podem representar as mulheres. É preciso um trabalho de construção desde a escola — propõe Alexandra, que vai para o seu terceiro mandato.
De corrente política oposta, a vereadora trans Benny Briolly (PSOL) também cobra um maior estímulo para que as mulheres ocupem os lugares de liderança na política:
— Para que isso aconteça, são necessárias capacitação, redes de apoio e maiores lideranças femininas dentro dos partidos, assim como maior investimento nas campanhas eleitorais.
Com informações do Extra online.