No Brasil, 4 entre 10 crianças e adolescentes na escola dizem também trabalhar

Entrevistas com 2.889 alunos de 6 a 17 anos indicam que há subnotificação sobre trabalho infantil

O percentual de crianças e adolescentes matriculados na escola e que dizem estar também engajados em atividades de trabalho no país era de 39,4% em maio deste ano.

O dado é do Equidade.info, iniciativa vinculada ao Lemann Center (na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos). O trabalho foi conduzido pelos pesquisadores Guilherme Lichand, Lucas Klotz, Leticia Lopes, Jonatas Ribeiro e Rodrigo Megale.

Eles ouviram 2.889 alunos, de 6 a 17 anos, em 162 escolas de todos os estados brasileiros. Também foram entrevistados 373 professores e 222 gestores de estabelecimentos de ensino. A margem de erro é de 1,82 p.p., com 95% de confiança.

Pelo relatório, os jovens foram questionados se, com base no mês anterior, faziam alguma atividade por pelo menos uma hora semanal de maneira remunerada ou uma atividade não remunerada acompanhada de algum adulto —excluindo o trabalho doméstico familiar.

A mesma pergunta é feita pelos entrevistadores do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), a adultos, na PnadC (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – Contínua) para contabilizar trabalho infantil.

Por ela, o percentual de crianças e adolescentes nessa situação era de 4,9% (ou 1,88 milhão), segundo os números mais recentes, de 2022.

De acordo com Lichand, professor de Stanford, os critérios usados para classificar o que é trabalho infantil pelo Equidade.info são os mesmos do instituto. Os 39,4%, considerando o universo de matriculados, equivaleriam a cerca de 13,3 milhões de pessoas. O pesquisador diz que, estimando-se os que estão fora da escola, pode passar de 14 milhões.

A diferença é que a PnadC considera as respostas dadas pelo adulto responsável pelo domicílio, geralmente os pais da criança.

Por serem universos amostrais diferentes, as duas pesquisas não permitem uma comparação perfeita, mas as entrevistas feitas com os jovens sugerem que há subnotificação quando os adultos respondem.

Nas entrevistas com crianças e adolescentes, entre os respondentes que trabalham, 11,6% disseram que exercem atividades na rua, em sinais de trânsito ou na beira de estradas; 6,86%, em rios, praias, poços ou açudes; 4,53%, em lixões ou aterros sanitários; 4,34%, em pedreiras, minas ou carvoarias.

Os pesquisadores não contabilizaram como trabalho infantil a atividade doméstica na própria casa do entrevistado —em que o estudante ajuda a tomar conta de irmãos mais novos, por exemplo.

Já o trabalho na residência de outra família aparece entre as atividades remuneradas.

Eles ponderam que o relatório não conta as crianças fora da escola. Também não foram contabilizadas atividades ilícitas, que foram aferidas apenas indiretamente, por meio de respostas dos professores.

As entrevistas com profissionais do ensino ajudam a captar as percepções de adultos próximos, lembra Lichand. “Crianças que trabalham faltam mais ou têm pior desempenho na escola. E há um conflito de percepções: quando perguntamos para crianças e jovens, eles tendem a não ver prejuízo.”

Para combater a prática, as escolas geralmente acionam o Conselho Tutelar (92%), fazem a conscientização de familiares (89,7%) e promovem atividades educativas (83,7%).

As políticas públicas sofrem com a falta de estrutura de coleta de dados, e há subnotificação por medo de sanções, resume Marques Casara, diretor-executivo da agência de pesquisas Papel Social.

A organização acaba de mapear os elos da reciclagem do alumínio, papel, plástico e vidro, inclusive envolvendo o trabalho de crianças. O projeto foi com o ILIX (Instituto Lixo e Cidadania) e com o MPT (Ministério Público do Trabalho) e deu origem a um livro e a um documentário (disponível no fim desta reportagem).

“O desmonte da fiscalização no governo Bolsonaro foi pavoroso, mas o governo Lula não está se entendendo com ele mesmo, falta diálogo. Há uma vulnerabilidade grande ainda e o trabalho infantil geralmente acompanha o trabalho análogo à escravidão”, diz.

De acordo com a OIT (Organização Internacional do Trabalho), nem todo trabalho realizado por crianças e adolescentes é classificado como infantil. Depende da idade, da carga horária e da atividade.

No Brasil, é proibido que crianças de até 13 anos exerçam qualquer trabalho. Entre 14 e 16, é admitida a condição de jovem aprendiz, enquanto dos 16 aos 17, a permissão é parcial.

Já as atividades que oferecem risco para saúde, segurança ou dignidade são sempre vetadas. O Disque 100, do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, recebe denúncias e foram mais de 1.251 no primeiro semestre —ou 209 por mês.

Procurada para comentar as ações do governo nesses casos, a pasta não tinha respondido até a publicação desta reportagem.

“A erradicação envolve garantir o direito à educação e à proteção de crianças e adolescentes, sem exceção”, diz Roberta Tasselli, integrante da Agenda 227 e diretora na Associação Cidade Escola Aprendiz.

Entre os mecanismos para combater o problema, ela cita políticas de redistribuição de renda e de inclusão produtiva protegida para os adolescentes com mais de 14 anos.

“Também é necessária a desnaturalização do olhar a respeito do trabalho infantil, para que a sua erradicação seja uma demanda social.”

Com informações da Folha de São Paulo

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