Uma Vila Pretensiosa

*Vicente Loureiro

Quem sabe o experimento urbanístico realizado na Vila Olímpica dos jogos de Paris 2024 não sirva de inspiração para empreendimentos de dimensões assemelhadas por aqui? Digo isso por conta do projeto, recém anunciado pela prefeitura do Rio, para a área de aproximadamente 30 hectares onde está localizada a antiga Estação Ferroviária da Leopoldina. Com localização privilegiada, no limite da área central da cidade, ela merece os melhores usos e as mais adequadas as ocupações possíveis e o dever de incorporar inovações referentes à sustentabilidade.

À nova Vila Olímpica de Paris, eles emprestaram o nome de Distrito Urbano, tentando expressar a diversidade de funções e complexidade de fluxos promovidas pelas variadas atividades urbanas previstas para esse pedaço de cidade totalmente ressignificado. Outrora uma zona industrial, transformada agora em um bairro com capacidade de abrigar mais de 6 mil moradores permanentes e gerar perto de 6 mil postos de trabalho, podendo, inclusive, receber centenas de moradores ocasionais e até turistas.

Tudo isso às margens do Sena e apenas a 7km da Île de la Cité. Dando suporte a esse conjunto de novas moradias e postos de trabalhos criados, existirão instalações comerciais e de prestação de serviços de alimentação, saúde, educação, entretenimento, cultura e lazer. E, principalmente, espaços públicos verdes com ambientes dedicados à prática de esportes, além daqueles indispensáveis a circulação e integração com o restante da cidade. Numa pegada onde prevalecem, de modo quase exclusivo, as vias destinadas ao transporte ativo e coletivo. O que, segundo os realizadores, representa um jeito novo de refazer a cidade.

Chama atenção no recém-inaugurado Distrito Urbano da capital francesa, os cuidados com a sustentabilidade ambiental. Ele carrega a pretensão de contribuir para que a cidade se adapte às mudanças climáticas através de funcionalidades capazes de acolher e mitigar seus impactos. As previsões para as emissões do complexo ajudarão Paris a cumprir, de acordo com os autores do projeto, as metas de neutralidade de carbono estabelecidas para 2050, reunindo para tanto, diversas inovações ambientais, pioneiras e exemplares.

O projeto da Vila, de autoria de Dominique Perraut, teve a contribuição de 82 arquitetos distintos para cada um dos prédios do complexo, que tem mais de 300 mil m² de área e que, após os jogos, oferecerá aos moradores e frequentadores, 7 hectares de praças e jardins e 120 mil m² de escritórios e lojas de bairro, espaços públicos destinados a serviços dos mais diversos e com o alcance fora dos limites do empreendimento. Para além desses mimos urbanísticos, o complexo utilizará um sistema de refrigeração baseado no aproveitamento das águas normalmente frias do Rio Sena. Sistema já utilizado, com sucesso, no Louvre, na Assembleia Nacional e em vários outros edifícios ilustres da cidade.

O projeto deu especial atenção à insolação dos prédios e a utilização de revestimentos isolantes térmicos. Associado a esses cuidados, foram instalados painéis solares no teto dos prédios e medidas para proteção e fomento à biodiversidade. Não é possível assegurar que todos esses itens terão os resultados esperados nem tão pouco que haverá mudanças efetivas no modo de vida da vizinhança. Há os que apontam que a gentrificação dos bairros do entorno poderá promover até uma “desurbanização”. Para além das dúvidas, fica a certeza de que o poder público francês tentou inovar. Não fez mais do mesmo, assumindo assim os riscos inerentes à ousadia

*Vicente Loureiro, arquiteto e urbanista, doutorando pela Universidade de Lisboa, autor de Prosa Urbana e Tempo de Cidade.

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