Se for aprovada pelo Congresso, a PEC das Praias pode criar um problema adicional para centenas de prefeituras no litoral do Brasil: a obrigação de indenizar particulares pela criação de vias de acesso à areia da praia, segundo informa a colunista Natália Portinari, do portal UOL.
A praia é um bem público de uso comum do povo, e a lei já garante, hoje, “sempre, livre e franco acesso a elas e ao mar, em qualquer direção e sentido”. A PEC relatada pelo senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), que tramita no Senado Federal, não altera essa legislação.
O que a PEC permitiria é a privatização dos terrenos de marinha, hoje da União, que ficam em uma faixa de 33 metros de largura depois da “linha de preamar”, uma linha imaginária traçada em 1831 com base no limite das marés quando ficam altas.
Quando um particular habita esses terrenos, ele precisa pagar três taxas à União: laudêmio, taxa de ocupação e foro. A PEC, porém, daria aos moradores a possibilidade de comprar esses imóveis em definitivo e deixar de pagar os tributos.
Criação de passagens
Segundo um decreto federal de 2004, as prefeituras podem obrigar proprietários de imóveis a instituírem passagens, chamadas juridicamente de “servidões de passagem”, sempre que necessário para garantir o livre acesso às praias.
Caso o terreno seja da União, não cabe nenhuma indenização, o que facilita a criação desses corredores, como já ocorre com terrenos de marinha que têm alguma ocupação. Particulares, por outro lado, têm que ser indenizados.
Débora Sotto, especialista em direito urbanístico e ambiental, prevê que uma eventual aprovação da PEC geraria um número grande de ações judiciais por conta dessas indenizações, que passariam a ser devidas a particulares.
“Os municípios não vão ter recurso para indenizar os proprietários desses imóveis, e os que tentarem escapar desse dever da prévia e justa indenização para garantir o acesso às praias vão mergulhar no contencioso”, afirma.
Ela defende que a PEC inclua normas gerais de uso urbanístico das praias para mediar os conflitos que surgirão, ou encarregue a União de criar uma regulamentação.
“Na forma que o texto está hoje, a União sai de cena e larga toda a regulação de uso do solo na mão dos municípios, sem tempo para os municípios se prepararem.”
Embora municípios possam tentar afastar a obrigação de pagar essas indenizações, deixar essa disputa nas mãos do Judiciário é “temeroso”, acrescenta Sotto.
Acesso restrito
Como as prefeituras são encarregadas de fiscalizar o acesso às praias, condomínios fechados e resorts vêm usando leis municipais para exercer controle sobre a faixa de areia, muitas vezes em comum acordo com a administração municipal.
Em alguns locais, donos de condomínios ou de estabelecimentos turísticos têm autorização da prefeitura para controlar a quantidade de pessoas que frequentam a praia, o que já é uma limitação do uso do bem público.
O advogado Godofredo de Souza Dantas Neto, especialista em direito constitucional e urbanístico, defende que prefeituras possam fazer esses arranjos com particulares.
“A administração pública quer acesso à praia. Aí o particular diz: você me permite fazer um controle de acesso, de limpeza, para não desvalorizar a região do meu imóvel? Aí todo mundo ganha, porque não vai ter uma área degradada”, afirma.
Falta de controle
A SPU (Secretaria de Gestão do Patrimônio da União) informou no Senado que, dos 2,9 milhões de imóveis em terreno de marinha, apenas 565 mil estão cadastrados, e disse que haveria um “caos administrativo” se a PEC fosse aprovada.
A União, portanto, não sabe quantos imóveis tem em terrenos de marinha, nem quantas servidões de passagem atravessam esses terrenos.
Um projeto de lei que tramita no Senado, proposto pelo senador Rogério Carvalho (PT-SE) em 2022, propõe uma servidão de passagem ou acesso viário obrigatório para a praia a cada 1 km, tanto em regiões urbanas quanto em áreas afastadas.
O texto foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente em outubro de 2023 e agora aguarda um relatório da senadora Janaína Farias (PT-CE), que é favorável à proposta, para ser apreciado pela Comissão de Desenvolvimento Regional e Turismo.