Um print encontrado no celular de Domingos Brazão apreendido na operação que prendeu o conselheiro do Tribunal de Contas do Estado, seu irmão, Chiquinho Brazão, e o delegado da Polícia Civil Rivaldo Barbosa, em março passado, é tido pela Polícia Federal (PF) e pela Procuradoria-Geral da República (PGR) como a principal evidência de que a motivação dos mandantes do assassinato de Marielle Franco tinha a ver com grilagem de terras.
A colunista Malu Gaspar, do jornal O GLOBO, informa que além da imagem capturada na tela do celular do conselheiro do TCE, um conjunto de escrituras levaram a PF a formar convicção de que os irmãos Brazão tinham especial interesse em uma área que seria supervalorizada com a lei que eles fizeram passar na Câmara de Vereadores, e contra a qual a vereadora do PSOL trabalhou antes de ser executada.
A imagem mostra Domingos fotografando uma escritura de imóvel em nome da administradora de imóveis Superplan, em que ele é sócio da mulher, Alice Kroff.
A Superplan é dona, entre outros imóveis, de dois terrenos com mais de 20 mil metros quadrados na Zona Oeste do Rio que seriam supervalorizados com a aprovação da lei que flexibilizava regramentos ambientais e urbanísticos e, na prática, facilitou a regularização de construções ilegais e até mesmo áreas griladas sem edificações.
Embora a PF já soubesse que Brazão era sócio da Superplan, a foto e os documentos fizeram com que os investigadores concluíssem que a empresa era a âncora do império imobiliário dos irmãos na Zona Oeste.
A escritura de um dos terrenos, inclusive, foi registrada em 14 de maio de 2018 – quase seis meses depois da aprovação da lei na Câmara, e dois meses depois da morte de Marielle. Os documentos têm indícios de que os terrenos foram grilados.
Um deles é o fato de terem sido comprados de pessoas de renda muito baixa que se tornaram donos por usucapião.
Outro, o de um deles ter pertencido a um conhecido grileiro de terras da Zona Oeste, o italiano Pasquale Mauro, falecido em 2016. O terreno em questão, adquirido por 110 mil reais na escritura, foi avaliado pela Prefeitura do Rio em 7 milhões de reais no momento do cálculo do imposto de transmissão de bens imóveis (ITBI) a ser cobrado na transação.
Para os investigadores, a descoberta desses documentos deu mais conforto à Procuradoria-Geral da República para lastrear a denúncia e ajudaram a corroborar a delação de Ronnie Lessa, assassino confesso de Marielle e do motorista Anderson Gomes.
MARIELLE DENUNCIOU PROJETO DO CLÃ BRAZÃO
Nos depoimentos à PF, Lessa declarou que o motivo dos Brazão para mandar matar Marielle era justamente a briga em torno desse projeto de lei, que permitiria aos Brazão construir condomínios gigantescos em áreas protegidas da Zona Oeste.
Na denúncia, a PGR salienta que a vereadora do PSOL defendeu “explicitamente” que as iniciativas de Chiquinho Brazão, na época também vereador do Rio, “tinham por finalidade a exploração econômica de espaços dominados por milícias” e empenhou “marcada resistência” à tramitação do projeto de lei junto à bancada de seu partido.
Na peça, a Procuradoria-Geral da República observa que, mesmo na condição de presidente da Comissão de Assuntos Urbanos da Câmara Municipal carioca, Chiquinho não conseguiu aprovar a pauta com a celeridade esperada. O projeto, apresentado em dezembro de 2016, só foi aprovado oito meses depois, em novembro de 2017, após nove adiamentos.
Para o vice-procurador-geral Hindenburgo Chateaubriand Filho, que assina a denúncia, a desavença em torno do texto representou um ponto de virada na indisposição do clã Brazão com o PSOL.
A briga já vinha desde que o partido atuou contra a indicação de Domingos e seu correligionário do MDB no estado, Edson Albertassi, para o Tribunal de Contas do Estado em 2015 e 2017.
“Não há dúvida de que as dificuldades na tramitação do projeto e, sobretudo, o elevado risco de rejeição, somados ao histórico de conflitos com o PSOL e Marielle Francisco da Silva, recrudesceram o descontentamento dos irmãos Brazão”, argumentou Chateaubriand.