O Senado aprovou nesta terça-feira (16) em primeiro e em segundo turno a proposta que coloca na Constituição a criminalização de porte e posse de drogas, em reação ao julgamento do STF (Supremo Tribunal Federal) que pode descriminalizar a maconha para uso pessoal.
A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) foi aprovada em primeiro turno por 53 votos a 9 e, em segundo turno, por 52 a 9 —3 votos a mais que os 49 necessários para a aprovação de mudanças na Constituição. O texto segue agora para a Câmara dos Deputados.
Se aprovado na Câmara, o texto será promulgado pelo Congresso, pois emendas constitucionais não precisam de sanção do presidente.
O PT foi o único partido a orientar voto contra a PEC. O MDB liberou os senadores para que votassem como quisessem, mas sugeriu voto a favor. Todos os outros dez partidos com representação no Senado, PSB, PSD, União Brasil, PDT, Podemos, PL, Republicanos, Progressistas, Novo e PSDB, foram a favor.
A proposta coloca no texto da Constituição Federal que é crime possuir ou carregar drogas, independentemente da quantidade e da substância —proibição que existe hoje apenas em lei.
A PEC foi apresentada pelo presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), com o apoio de outros 30 senadores em setembro do ano passado, poucos dias após a retomada do julgamento que pode descriminalizar a maconha para fins pessoais.
Assim como a Lei Antidrogas, de 2006, a proposta não define critérios objetivos para diferenciar o usuário do traficante. No caso da maconha, parte dos ministros do STF defende um limite em gramas para isso —como 10 gramas, 25 gramas ou 60 gramas.
O senador Humberto Costa (PT-PE), que é psiquiatra, afirmou que a PEC vai criminalizar ainda mais o usuário e inibir as pessoas de procurar tratamento: “Procurar um serviço de saúde é reconhecer a condição de usuário ou dependente. Portanto, está submetido à possibilidade de ser criminalizado e responder a processos vários”.
Já o senador Alessandro Vieira (MDB-SE) minimizou o impacto da proposta e criticou o Supremo. “O que nós temos aqui é uma reação equilibrada, respeitosa, a um equívoco, mais um equívoco, da nossa Suprema Corte, que ultrapassa cotidianamente os limites da toga”, disse.
Especialistas apontam que a falta de critérios objetivos tem feito com que pessoas flagradas nas mesmas circunstâncias tenham tratamento diferente.
Em seu voto no STF, o ministro Alexandre de Moraes citou um estudo feito pela Associação Brasileira de Jurimetria para mostrar que pessoas flagradas nas mesmas circunstâncias têm tido tratamento diferente de acordo com a cor da pele e a condição social.
“O branco precisa estar com 80% a mais de maconha do que o preto e pardo para ser considerado traficante. Para um analfabeto, por volta de 18 anos, preto ou pardo, a chance de ele, com uma quantidade ínfima, ser considerado traficante é muito grande. Já o branco, mais de 30 anos, com curso superior, precisa ter muita droga no momento para ser considerado traficante.”
Outro efeito da legislação em vigor foi o aumento da população carcerária. Segundo dados da Secretaria Nacional de Políticas Penais, 199.731 pessoas estão presas atualmente por tráfico de drogas, tráfico internacional de drogas e associação ao tráfico nos presídios estaduais e federais. Isso representa 28,3% da população prisional do país.
Além de ser uma resposta ao STF, a criminalização das drogas tratada na PEC é um dos itens da chamada pauta de costumes, que inflama a oposição e desafia o governo Lula (PT) diante da cobrança de setores progressistas da sociedade.
De acordo com a Folha de São Paulo, o relator, senador Efraim Filho (União Brasil-PB), reconheceu que, em linhas gerais, a proposta de emenda em discussão repete a criminalização que já existe na Lei de Drogas (lei 11.343), de 2006.
Apesar disso, o senador afirmou que estabelecer na Constituição que o porte e a posse de drogas é crime dará maior “segurança jurídica para que o sentimento da sociedade de ser contrário à legalização das drogas seja respeitado”.
Integrantes da base de Lula afirmam, reservadamente, que o governo tentou não se envolver com o tema, afeito ao Congresso, para não estimular uma eventual crise entre os Poderes.
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner (PT-BA), promoveu uma sessão de debates com especialistas nesta segunda (15), véspera da votação, e votou contra a PEC, mas liberou os senadores da base aliada.
Wagner afirmou que o governo foi colocado em uma sinuca de bico: disse que não havia por que o Supremo estar julgando a descriminalização, em sua opinião, mas afirmou que o problema das drogas não será resolvido “entupindo as cadeias”.
“Estamos fazendo uma tarde memorável pela afirmação do plenário do Senado como legislador, mas ao mesmo tempo, me perdoe, não sei se eficiente, porque não sei se é isso que vai resolver o problema das drogas”, disse.
Outro receio de governistas é de que a PEC seja declarada inconstitucional pelo Supremo futuramente por alterar uma das cláusulas pétreas da Constituição Federal —o que adicionaria um novo capítulo à disputa entre Legislativo e Judiciário.
A proposta sugere um novo inciso no artigo 5º da Constituição com o seguinte enunciado: “a lei considerará crime a posse e o porte, independentemente da quantidade, de entorpecentes e drogas afins, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar, observada a distinção entre traficante e usuário por todas as circunstâncias fáticas do caso concreto, aplicáveis ao usuário penas alternativas à prisão e tratamento contra dependência”.
Em fevereiro, Pacheco patrocinou outro aceno à oposição ao colocar em votação o projeto que acaba com a saída de presos em datas comemorativas, as chamadas saidinhas. O ponto central do texto foi vetado pelo governo, mas o Congresso ameaça derrubar o veto e extinguir o direito definitivamente.
O placar no STF está em cinco votos a três pela descriminalização do porte de maconha. O julgamento no STF foi novamente suspenso depois que o ministro Dias Toffoli pediu vista (mais tempo para analisar o processo).
Com informações da Folha de São Paulo