Um método conseguiu reduzir em 70% os casos de dengue em Niterói, no Rio de Janeiro. Por meio dele, uma bactéria bloqueia a transmissão de doenças por novos mosquitos Aedes aegypti.
Além da dengue, a tecnologia já reduziu os casos de chikungunya em 60% e de zika em 40%, entre os anos de 2015 e 2023. Niterói foi a primeira cidade brasileira a ter o seu território 100% coberto pelo projeto.
Como funciona
Uma bactéria, chamada Wolbachia, é inserida em Aedes aegypti criados em laboratório. Soltos na natureza, se reproduzem e acabam passando a bactéria para os novos insetos.
Apesar de estar presente em mosquitos que nos picam, a bactéria nunca foi encontrada no Aedes aegypti. Quando a Wolbachia está presente, ela bloqueia os vírus que o mosquito poderia transmitir, como dengue, zika, chikungunya e febre amarela.
Luciano Moreira, pesquisador da Fiocruz e líder do Método Wolbachia Brasil
Foram necessários quatro anos de pesquisa na Austrália para a retirada dessa bactéria e inserção no mosquito da dengue. O método não consiste em uma modificação genética, segundo o pesquisador.
Antes da liberação dos mosquitos, a comunidade é avisada e recebe orientação.
“Fazemos um engajamento nas áreas de saúde, educação e lideranças sociais para explicar o programa e só depois passar para a fase de liberação de mosquitos, machos e fêmeas, que duram cerca de seis meses. Os mosquitos com Wolbachia vão se estabelecendo nas localidades e tendem a ficar autossustentáveis. Tem áreas no Brasil em que paramos as liberações há nove anos e, atualmente, mais de 90% dos mosquitos são encontrados com a Wolbachia”, diz Luciano Moreira.
Queda nos casos de dengue
Os casos de dengue oscilaram com tendência de forte queda entre 2015 e 2023.
- 2015 – 158
- 2016 – 71
- 2017 – 87
- 2018 – 224
- 2019 – 61
- 2020 – 85
- 2021 – 16
- 2022 – 12
- 2023 – 55
O aumento de 2022 para 2023 foi um caso especial. Ele considera pessoas que estiveram na cidade e procuraram hospitais, mas não necessariamente moravam em Niterói.
2018 também foi ponto fora da curva. No ano, houve um salto nos casos, mas a maioria deles havia sido registrado na região norte da cidade, onde o programa ainda não havia sido implantado.
Do outro lado da ponte, no município do Rio de Janeiro, a situação é bem diferente. Niterói tem hoje 586 casos prováveis de dengue (soma de casos confirmados e em investigação) e nenhum óbito. Já no Rio, que fica a apenas 13 km de distância, são quase 60 mil casos prováveis e quatro mortes.
Projeto teve cobertura insuficiente no Rio. A cidade começou a implantar o método em 2014, antes mesmo de Niterói, mas apenas 29 dos 160 bairros estão cobertos. É um número insuficiente para a eficácia do projeto, já que nem 20% da área do município foi coberta, segundo Moreira.
Cinco cidades já liberaram o mosquito infectado com a bactéria na natureza. Além de Niterói e do Rio, o método é aplicado em Campo Grande, Belo Horizonte e Petrolina (PE). A liberação dos mosquitos foi concluída no final de 2023, e agora os resultados nas três localidades são monitorados.
Acompanhamento pelo sistema nacional. Nas cinco cidades, o programa realiza o acompanhamento epidemiológico com dados do sistema de notificação nacional (Sinan), para identificar o impacto do método Wolbachia na transmissão da dengue, zika e chikungunya nas áreas onde houve liberação de Aedes aegypti com Wolbachia.
“Este ano, vamos atender mais seis municípios, a pedido do Ministério da Saúde: Joinville (SC), Foz do Iguaçu (PR), Londrina (PR), Presidente Prudente (SP), Uberlândia (MG) e Natal. A expectativa é que os mosquitos sejam liberados a partir do final deste semestre. Ao todo, 1,7 milhão de pessoas nestes municípios serão protegidas”, diz Luciano Moreira
Fábrica de mosquitos
Produção de mosquitos é gargalo para atender demanda. No ano passado, a World Mosquito Program (WMP), a Monash University em Melbourne, na Austrália, a Fiocruz e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) anunciaram parceria para a criação de uma joint venture.
A nova empresa vai construir a maior biofábrica de mosquitos Wolbachia do mundo. Serão até 100 milhões de ovos de mosquito por semana para atender uma demanda de 70 milhões de brasileiros em dez anos, disse o líder do método Wolbachia Brasil.
O método começou a ser usado na Austrália, entre 2008 e 2009. No Brasil, existe desde 2012, aplicado pela Fiocruz no bairro Tubiacanga, no Rio de Janeiro. Mesmo com a eficácia comprovada, Moreira explica que os resultados são vistos a longo prazo.
“Não é uma solução imediata, os resultados são observados com o tempo. É preciso ter o estabelecimento dos mosquitos em determinada área –com isso, observamos redução do número de casos de dengue”, conclui o pesquisador.
Com informações do UOL.