71% dos transplantes feitos em hospital do Rio não seguiram protocolos no transporte dos órgãos, aponta relatório

Técnicos do Ministério da Saúde visitaram hospitais da cidade após caso de infecção por HIV em transplantados

Um relatório produzido pelo Departamento Nacional de Auditoria do Sistema Único de Saúde (Denasus) constatou uma série de irregularidades no Programa de Transplantes do Rio. Alguns deles são considerados graves pelo órgão, como falhas em seguir os protocolos sanitários no transporte dos órgãos e um suposto direcionamento na contratação do laboratório PCS Lab Saleme — onde foram cometidos os erros que culminaram no transplante de órgãos infectados com HIV, algo inédito no Brasil.

— Consideramos como graves porque eles podem, de alguma maneira, comprometer todo o processo. Faltou fiscalização ao contrato, e há problemas que indicam favorecimento de parentes. São indícios que devem agora ser investigados por outras instâncias como o próprio governo estadual, já que não temos essa competência — diz Alexandre Alves Rodrigues, diretor do Denasus.

Órgãos de controle, como o Ministério Público, investigam se houve algum favorecimento na contratação do laboratório pela Fundação Saúde, vinculada à Secretaria estadual de Saúde. Os sócios são parentes do ex-secretário de Saúde e deputado federal Dr. Luizinho, que sempre negou qualquer envolvimento na contratação. O parlamentar afirma que não estava mais à frente da pasta na época da contatação e que “qualquer irregularidade deve ser apurada”. A SES diz que a licitação “foi feita por processo eletrônico, por menor preço, sem qualquer possibilidade de direcionamento”. O laboratório também nega que tenha havido direcionamento.

Inconformidades

O documento do Denasus foi divulgado primeiramente pela Globonews e obtido pelo GLOBO. Nele, os técnicos expõem os problemas que encontraram durante uma visita em outubro do ano passado. Em uma das reuniões, os servidores ouviram da direção do Hospital São Francisco na Providência de Deus, na Tijuca, Zona Norte do Rio, que no primeiro semestre de 2024 realizou 144 transplantes, sendo 71,6% dos casos feitos com órgãos recebidos com inconformidades em relação às normas sanitárias. Entre elas estão “irregularidades no processo de etiquetagem” e no “acondicionamento e transporte dos órgãos a serem transplantados, tais como: inconformidades no saco estéril, insegurança da caixa isotérmica, quantidade de gelo inadequada e documentação inadequada”.

Segundo o Denasus, o hospital teria informado à Central de Transplantes sobre os problemas. Apesar disso, as cirurgias foram realizadas. Segundo o hospital, todos os órgãos “são avaliados pelas equipes do serviço de transplantes e apenas aqueles considerados seguros e próprios para o procedimento são transplantados, assegurando-se a qualidade e eficiência no procedimento”.

Ao todo, seis pessoas foram infectadas com HIV após os exames do laboratório PCS indicar erroneamente que dois doadores não tinham o vírus. E o número de vítimas poderia ser ainda maior. Isso porque, em junho do ano passado, a córnea de um dos doadores só não foi transplantada por um acidente: uma mulher estava pronta para receber o órgão, mas durante o manejo, ele caiu no chão. Com risco de contaminação, foi descartado, e a cirurgia ocorreu dias depois com a doação vinda de outro paciente.

Os técnicos também apontaram problemas no controle interno da Fundação Saúde sobre o trabalho do PCS Lab Saleme ao longo de quase um ano de prestação de serviços. O laboratório realizava exames em 11 unidades estaduais. O jornal O GLOBO revelou que no Instituto Estadual de Cardiologia Aloysio de Castro (Iecac), onde funcionava a filial que atendia também a Central de Transplantes, gabaritou avaliações internas.

Trecho do relatório — Foto: Reprodução

No entanto, uma fiscalização da Vigilância Sanitária apontou uma série de irregularidades, como ambientes sujos, com presença de insetos mortos e formigas em todas as bancadas. O estabelecimento foi fechado e substituído. Desde a revelação do escândalo, os exames para transplantes são feitos pelo Hemorio; um novo laboratório foi contratado emergencialmente para suprir a demanda das outras unidades.

Relatório — Foto: Reprodução

Os sócios do laboratório e alguns funcionários respondem na Justiça por associação criminosa, lesão corporal e falsidade ideológica. Em âmbito criminal, os donos do estabelecimento acusam os funcionários pelos erros. Já os empregados afirmam que foram orientados a reduzir o processo de controle de qualidade para aumentar os lucros da empresa. Na defesa administrativa, os advogados do PCS alegaram também que o problema pode ter sido causado pela “janela imunológica” do HIV e que o erro em apenas dois dos mais de 300 exames feitos “estão dentro do limite da aceitabilidade”.

Mudança do cenário

Desde a última semana, os técnicos do Ministério da Saúde e da Secretaria estadual de Saúde já se reuniram duas vezes para discutir os problemas apontados pelo relatório. De acordo com o diretor do Denasus, Alexandre Alves Rodrigues, o cenário é outro agora.

— Já foram sanadas inúmeras não conformidades. Hoje, os etiquetamentos, a testagem, já estão sendo feitos de maneira adequada, por exemplo. Vamos continuar acompanhando com visitas e ações ao longo do ano, pensando na melhoria contínua — diz ele.

Em nota, a Secretaria estadual de Saúde diz que os fluxos do programa de transplantes foram revistos e que houve reforço no treinamento das equipes que atuam em hospitais públicos e privados: “a vigilância sanitária estadual também intensificou o monitoramento junto aos centros transplantadores para verificar o cumprimento das normas estabelecidas pela Anvisa no âmbito do SNT”.

Com informações de O GLOBO.

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