1º de Maio melancólico e de incertezas para os trabalhadores

*Luiz Carlos Azedo

Lula decidiu ressarcir os aposentados e pensionistas que foram lesados, mas Haddad não sabe como. Aguarda uma indicação da CGU e da AGU para definir como isso será feito

Talvez hoje seja o mais melancólico 1º de Maio para os sindicatos brasileiros deste século, embora um feriado de quinta-feira, para a maioria dos trabalhadores, seja motivo de regozijo; e para muitos, amanhã, sexta-feira será ponto facultativo ou dia de home office, em mais um feriadão. Não é melancólico por causa do esvaziamento das tradicionais manifestações de trabalhadores, que historicamente são uma montanha-russa, com momento de ascenso e descenso do movimento operário, mas por causa dos descontos não autorizados de aposentados e pensionistas por associações e sindicatos ligados às centrais sindicais, no montante de R$ 6,3 bilhões, o mais novo e maior dos escândalos da história do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).

No ano passado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou constrangimento por causa do esvaziamento das comemorações de 1º de Maio, no estacionamento da Neo Química Arena, em Itaquera, que reuniu menos de duas mil pessoas, um evento organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT), da qual é grande patrono. Neste ano, o constrangimento é muito maior: o bilionário escândalo envolve o Ministério da Previdência, ao qual o INSS está diretamente subordinado. O ministro titular da pasta, Carlos Lupi, que é presidente do PDT, se recusa a pedir demissão do cargo. Houve incompetência, omissão e prevaricação.

O ex-presidente do INSS Alessandro Stefanutto e mais quatro dirigentes afastados dos cargos foram nomeações de Lupi: Vanderlei Barbosa dos Santos (diretor de Benefícios), Virgílio Antônio Ribeiro de Oliveira Filho (procurador-geral), Giovani Batista Fassarella Spiecker (coordenador de Suporte ao Atendimento) e Jucimar Fonseca da Silva (coordenador de Pagamentos e Benefícios). O ministro alega que foi traído pelos subordinados, mas não explica como R$ 6,3 bilhões foram movimentados de forma fraudulenta sem que tivesse conhecimento.

Em vez de comparecer ao ato de 1º de Maio, marcado para esta quinta-feira, em São Paulo, Lula optou por realizar um encontro com os dirigentes sindicais, na terça-feira passada, e gravar um vídeo que será exibido pelas centrais sindicais. Nele, o presidente diz que as pautas precisam ser novas e que os sindicatos precisam melhorar a comunicação nas redes sociais. Lula também se mostrou simpático à redução da jornada de trabalho e ao fim da escalada 6×1 (seis dias trabalhados e um de folga na semana).

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Lula também fará um pronunciamento em cadeia de rádio e televisão, no qual destacará os aumentos reais do salário mínimo, do número de trabalhadores com carteira assinada e a menor taxa de desemprego dos últimos tempos. Entretanto, nada disso resolve o problema político criado pelo escândalo do INSS: a oposição na Câmara conseguiu 185 assinaturas e protocolou, nesta quarta-feira, o pedido de criação da comissão parlamentar de inquérito (CPI) na Câmara para investigar o INSS.

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De acordo com o relatório feito pela Controladoria-Geral da União (CGU), 70% das 29 entidades analisadas não entregaram a documentação completa ao INSS para a assinatura dos Acordos de Cooperação Técnica (ACTs), que foram todos cancelados pelo governo. A Polícia Federal já investiga 11 entidades sindicais. O problema também caiu no colo do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, porque Lula decidiu ressarcir os aposentados e pensionistas que foram lesados, mas não sabe como. Haddad aguarda uma indicação da CGU e da Advocacia-Geral da União (AGU) para definir como isso pode ser feito legalmente.

Passado e presente

No Brasil, passado e presente se misturam no mundo do trabalho. A escravidão, com sua violência estrutural, impregnou a estrutura social de tal forma que a discussão sobre as relações de trabalho se mantém como um conflito entre as elites políticas e a grande massa da população. Daí decorrem o desrespeito e a redução dos direitos sociais. E o patrimonialismo nas estruturas sindicais.

Não temos “uma ética do trabalho”, como assinalou Antônio Cândido, em Dialética da malandragem, um clássico ensaio sobre a cultura nacional. A péssima remuneração dos professores, cujo trabalho é considerado “vocação”, é um bom exemplo, em contraste com as altas remunerações do setor público desproporcionais aos serviços prestados à sociedade.

O trabalho intelectual no Brasil também é desvalorizado, não apenas o trabalho manual. De acordo com o Banco Mundial, 64% da riqueza mundial advêm do conhecimento. Entretanto, as deficiências do sistema educacional reproduzem o analfabetismo funcional em grande escala.

A inserção social pela via do emprego já não é dominante. O trabalho avulso remunerado pela via dos aplicativos e o empreendedorismo são duas realidades novas. O “chão de fábrica” como “locus” do trabalho produtivo é cada vez mais minoritário. Os aplicativos estão revolucionando as relações de trabalho no Brasil num contexto social muito mais injusto do que nos países desenvolvidos.

A questão social que resulta dessa realidade está escancarada. O exército de desempregados e subempregados formado a partir da extinção de profissões ou redução de seus postos de trabalho depende cada vez mais da assistência de um Estado deficitário e pouco eficiente. Vivemos uma era de incertezas.

*Luiz Carlos Azedo, Jornalista, colunista do Correio Braziliense.

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